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Thursday, June 26, 2008

O Breviário

O Breviário

Nicolau Flamel

O presente tratado foi traduzido para Português de ŒUVRES de Nicholas Flamel por H. Agiatrias e transcrito por Rubellus Petrinus.


BREVIÁRIO
ou
TESTAMENTO

Nicolau Flamel

Que seja feito em nome de Deus, Amén. O primeiro passo na Sabedoria é o temor a Deus.

PREFÁCIO. TEORIA

Eu Nicolau Flamel, Escrivão de Paris, neste ano de 1414, do reinado do nosso bendito príncipe Carlos VI, que Deus abençoou, e após a morte da minha fiel companheira Perrenelle, recordando-me dela, me tomei de fantasia e de satisfação para escrever em teu favor, caro sobrinho, toda a maestria do segredo do Pó de Projecção ou Tintura Filosofal, que aprouve a Deus dispensar a seu insignificante servidor, que eu fiz como tu farás se procederes como te direi. Segue, portanto, com engenho e entendimento os discursos dos Filósofos acerca do segredo, mas não tomes os seus escritos à letra, porque ainda que possam ser entendidos segundo a Natureza, não te seriam úteis. Por isso, não te esqueças de rogar a Deus que te dispense entendimento de razão, de verdade e natureza, para que vejas neste livro, em que está escrito o segredo palavra a palavra e página a página, como fiz e trabalhei com a tua querida tia Perrenelle, que recordo tão intensamente. Assim, coloquei a mestria neste livro, a fim de que não te esqueças do grande bem que Deus te concede e para que te favoreça. Isto para que não deixes, em sua lembrança, de lhe cantar e salmodiar teus louvores. E nada pode ser mais adequado para celebrar tão bom acontecimento do que cânticos exaltados. Assim, escrevi este livro pela minha própria mão, e que havia destinado à igreja Saint-Jacques, estando na dita paróquia, depois de encontrar o livro do Judeu Abraham, não quis vender este por dinheiro e guardei-o com muito cuidado para nele escrever o dito segredo da alquimia em letras e caracteres da minha imaginação, de que te dou a chave. Cuida, pois, de o manter secreto e não te esqueças nunca de, em silêncio, te recordares de mim, quando eu estiver no sudário, relembrando que, agora, te preparei tal documento, a fim de que te faças um grande mestre da alquimia filosofal, pois contribuí para meu prazer, desejo, consolo e fantasia conceder-te tal segredo.

Deste modo, faz como eu próprio fiz e faço ainda agora, sendo de avançada e decrépita idade e tudo em honra e mestria da alquimia, pela via da natureza.

TEORIA DE FLAMEL

Vou, pois, iniciar teu documento fazendo uma descrição clara e plena para que não confunda o teu entendimento, antes de dizer alguma coisas sobre a prática de operar. Quis conduzir-te, através da teoria do conhecimento, ao que é a alquimia, ou seja, a ciência de converter corpos metálicos em ouro e prata perfeitos, conferindo saúde aos corpos humanos e transformando rapidamente pedras e cristais em gemas verdadeiras e preciosas. Este conhecimento, e não existe outro semelhante, constitui-se como uma arte sem paralelo, quer dizer, Filosofal, através da qual se faz um corpo medicinal universal convertendo Saturno, Marte, Júpiter, Lua e Mercúrio em puro Sol claro, brilhante, límpido e da cor do próprio mineral, mas ainda melhor que qualquer ouro metalífero, e que congrega em si a virtude e o poder de curar todos os males, quaisquer que sejam, de fazer evoluir todos os vegetais antes do seu termo e de transformar todas as pedras em diamantes e rubis. Tal arte e mestria consegue-se pelo engenho da Natureza, pelo regime secreto do fogo adequado e pela industria do operador. Seguindo em tudo a razão natural do entendimento, pouco a pouco alcançarás tudo isto, desde que não te canses jamais de cozer com paciência, sem ansiedade.

Deste modo, para que a obra filosofal demonstre que é, sobretudo, o curso da natureza, como homem de entendimento deves visar duas intenções principais: a primeira, um entendimento correcto, a compreensão das coisas que te direi. Porque eu, bem antes de trabalhar e iniciar o caminho devido, como homem de entendimento tinha já o senso da natureza do mercúrio, sol e lua, como disse no meu livro onde estão gravadas as figuras que verás nos arcos dos ossários. Mesmo assim, fiquei retido por mais de vinte e três anos e meio a manipular sem que conseguisse conjugar a lua, que é o azougue, com o sol e expurgar as escórias do sol e a lua seminal, um veneno mortífero para quem não conheça bem o agente ou meio de fortificar o Mercúrio, pois, sem este meio, é como água vulgar, não pode dissolver a lua, o sol ou, mais ainda, torna-se água liquefeita, fixando assim este mercúrio à aquosidade o que, mais tarde, à força de manipular e trabalhar, finalmente descobri nas quarta e quinta folhas do meu livro de Abraham.

Por este motivo, a segunda intenção é saber como se deve fortificar este mercúrio através do agente metalífero, sem o qual não é possível, de outro modo, alcançar o íntimo do sol e da lua, os quais, sendo duros, não podem ser abertos, a não ser pelo espírito sulfuroso do ouro de da lua. Assim, é mister que, a seguir, sejam juntos com o agente metalífero, a saber, a saturnina real e se liquefaça então o mercúrio pelo engenho filosofal a fim de que, depois, este dissolva em licor o sol ou a lua, retire a escória significativa da sua putrefacção. Sabe que não existe outra forma nem mestria de trabalhar nesta arte além da que dou, palavra por palavra, cuja obra não é nada fácil de realizar e espinhosa de transmitir, se não for ensinada como te digo, pois Sol e Lua são corpos muito duros que não podem abrir-se totalmente com facilidade, excepto pelos espíritos mercuriais liquefeitos por vias e procedimentos filosofais. Tudo o resto é falaz e induz ao fracasso e ao embuste em que caí, para meu grande desgosto, durante muito tempo, Sem aquele procedimento, o mercúrio mantêm-se frio, hidrópico e terroso, sem força bastante nesse caso para cometer as vísceras dos dois corpos perfeitos Sol e Lua. Se o mercúrio não for previamente aquecido com o fogo sulfuroso metálico, a sua água branda fora do seu corpo e da terra rejeitada, fecal e negra, não passará de mercúrio vulgar. Nesse estado, penetrando nos seus ventres e eles no seu, tomam a vida astral, crescimento e vegetação, tornam-se vivos, tal como eram nas rochas dos minérios. Por este modo se faz a conjugação do sol, da lua e do mercúrio filosofais, não os vulgares. Mas como pode o mercúrio liquefazer-se assim? Pondera, em primeiro lugar, que nenhuma outra água, além do mercúrio, extrai o Enxofre do ventre dos metais, da mesma forma, que fora dele, no começo, no meio e no fim, ninguém pode abrir nem fazer nada de bom, porque é a virtude atractiva, feita activa, que faz tudo e se engravida do enxofre, tal como o enxofre vive dele.

O que tu vês é agradável, água de vapor seco sulfuroso e vapor húmido mercurial volvem-se metais, porque, um e outro, se amam e desejam uma natureza conveniente a si próprios, ou seja, a natureza persegue a natureza, nunca de outra forma procedem o instrumento da Natureza, até mesmo na arte, porque um ama o seu companheiro assim como a fêmea atrai o macho a si, divertindo-o de quando em quando, o que vês muito claro e gracioso gravado na imagem da Quarta figura, onde observei o jovem mercúrio com o caduceu e as horríveis serpentes em torno da vara de ouro que ele segura na mão: porque, sem isto, não teria jamais conhecido o mercúrio hermético, que compomos pelo engenho e indústria filosofais do enxofre e mercúrio metálicos, na primeira preparação.

Toma cuidado, pois, em compreender as minhas palavras, escritas com sinceridade e de boa-fé em tua intenção, querido e amado sobrinho, a fim de que não falhes coisa alguma e rogue eu a Deus pela salvação da minha alma e use na via a equidade do nosso bom Deus, a quem suplico que, desde agora, te conceda saúde do corpo, entendimento, intenção, vontade judiciosa, rectidão e lealdade de coração. Acredita firmemente que todo o engenho da indústria reside na preparação do mercúrio filosofal, já que nele está tudo o que pretendemos, o que sempre quiseram os antigos sábios e que nós, tal como eles, nada podemos fazer sem ele preparar, o sol e a lua, pois, fora dele nada existe em toda a esfera mundana que possa produzir a dita tintura filosofal e medicinal. O engenho natural está em que aprendamos a extrair dele a semente viva e espiritual encerrada nas suas vísceras e entranhas. Esta semente é a matéria tão louvada pelos sábios em seus escritos e livros, os quais afirmam, sem embuste nem falácia, que a matéria da tintura transmutativa dos metais em ouro é única só e dissolve verdadeiramente tudo, ainda que nada digam como prepará-la. Este jaz, pois, nestes três, unicamente, não em qualquer lugar, porque noutros corpos metálicos pouco tem de bom, está viciado e deteriorado, ao passo que, aqui, é puro, composto e autêntico.

Observa, então, a que ponto uma coisa não dá nada se nada possuir, por consequência, não vises senão ao sol e à lua, assim como ao mercúrio elaborado pelo engenho filosofal, delicadamente preparado, que não molha as mãos, e ainda o metal que tem em si a alma metálica sulfurosa, quer dizer, a luz ígnea e, para que não te desvies do recto caminho, procura os metais, porque ai está o referido enxofre, encerrado muito delicadamente na verdade, quase semelhante ao sol. Encontrá-lo-ás na cavernas e profundidades, as que são de ferro, de ouro e de bronze, quer dizer, o sol quase mais puro um que o outro, e se é descoberto, tal enxofre tem o poder de tingir a húmida e fria lua, que é a prata fina, em puro ouro amarelo e bom, mas é necessário que se prepare pela medicina espiritual, ou seja, a chave que descobre e abre todo o metal que te direi. Agora, reflecte sobre que espécie de mineral é um ladrão que come tudo excepto o ouro e a lua, que torna bom este ladrão, pois quando os detém no seu ventre, então está apto para preparar o azougue, tal como te ensinei a seu tempo.

PRÁTICA

Não te afastes então, do resto do caminho e reporta-te às minhas outras explicações. Em seguida, trabalha na prática a que te vais entregar em nome do Pai, do Filho e do Santo Espírito, Adorável Trindade. Amén.

Procurarás, primeiro, tomar o primogénito de Saturno, que nada tem a ver com o vulgar, 9 partes, do sabre de aço do Deus guerreiro, 4 partes. Fá-los rubificar num cadinho. Quando estiver vermelho fundente lança 9 partes de Saturno dentro, como te disse. Este comerá rapidamente o outro: limpa muito bem as escorias fecais que sobem da Satúrnia com salitre e tártaro, por quatro ou cinco vezes. Estará bom quando vires um sinal astral sob o régulo, em forma de estrela.

Então, do ouro faz-se a chave e o cutelo que abre e corta todo o metal, sobretudo o sol, a lua e mercúrio, todos os quais come, devora e guarda no seu ventre. Terás feito entendimento correcto e caminho frutuoso se trabalhas-te como é mister, porque este elemento saturnal é a erva real triunfante pois ela é a lua, pequeno rei imperfeito que promovemos ao grau da maior glória e honra e que é também a rainha, ou seja a lua e a mulher do sol.

Assim, é macho e fêmea, o nosso hermafrodita, que é o mercúrio e aquela obra em imagem da sétima folha e primeira dádiva do Judeu Abraham, a saber, duas serpentes em torno de uma vara de ouro, tal como verás neste livro que fiz eu mesmo consoante a minha fantasia, o melhor que pude figurar, para discernimento e como documento filosofal. Cuida, então, de conseguir bom fornecimento e provisão, porque é mister que obtenhas muita quantidade, 12 ou 13 libras, talvez mesmo mais, se quiseres trabalhar em muitas operações.

Casarás, então, o jovem mercúrio, ou seja, o azougue com aquele, o mercúrio filosofal saturnial, a fim de que, através dele, possas animar e fortificar o dito azougue corrente por 7, até mesmo 10 a 11 vezes com o supracitado agente, chamado chave ou sabre de aço afiado, para que corte eficazmente e penetre no corpo dos metais. Quando alcançares esta matéria, possuirás a água dupla ou tripla, pintada na imagem da Roseira do livro de Abraham o Judeu, a qual sai da base de um carvalho, ou seja, da nossa Satúrnia, que é a chave igual, e vai precipitar-se nos abismos, como o afirma o dito judeu, quer dizer, no receptor que está unido ao colo da retorta, aonde se vai lançar o referido mercúrio duplo, por arte e engenho dum fogo proporcionado e idóneo.

Mas aqui encontra-se um espinho angustioso, impossível mesmo com que trabalhar se Deus não revela o referido segredo ou o mestre não o transmita, porque o mercúrio não se conjuga com a Satúrnia régia sem uma coisa que está oculta no correcto engenho de examinar como se faz e labora, porque se não conheces como se faz a bravura e a paz do citado azougue, nada encontrarás que valha. Assim, caro e amado sobrinho, como não pretendo esconder-te nada, antes dizer-te tudo sem nada guardar e mostrar-te como deves descobrir correctamente, passo a passo, o que é mister nesta maestria filosofal, dir-te-ei que, sem sol e a lua, não te será proveitosa a dita obra. Farás, pois, comer aqueles pelo nosso ancião ou lobo voraz, o ouro ou a prata, como te direi. Presta toda a atenção às minhas explicações para que não erres e falhes coisa alguma, como me aconteceu nesta tarefa. Como se deve, então, dar a comer o ouro ao nosso velho dragão? Reflecte direito, com bom senso, porque se dás pouco ouro à Satúrnia fundida, resulta muito bem aberta, mas o azougue não tomará vida; eis uma coisa incongruente que não será útil, em que trabalhei muito, cheio de tristeza, antes de encontrar a correcta maneira de o fazer. Assim, se lhe dás a devorar muito ouro, não ficará tão aberta e disposta, mas absorverá logo o azougue e se conjugarão ambos em pasta. Faz como viste fazer. Nota que é preciso manipular em tudo conforme os pesos de que falo, pois sem isso não trabalharás em teu proveito, mas em teu detrimento, recorda-te disto. Eis o procedimento encontrado. Guarda, pois este segredo, porque nele está tudo e não o escrevi jamais sobre papel, nem qualquer outra coisa que se possa ver escrita, porque seriamos causa de dano para o universo profano. Ora, o que transmito é sob o sigilo rígido do segredo da consciência, pelo amor que te dedico.

Toma X partes de ouro fino, limpo e purgado 9, 10 a 11 vezes unicamente pelo lobo voraz e, em seguida 11 partes de Satúrnia real, e funde-os num cadinho. Quando estiver em fusão, lança dentro X de ouro fino, funde os dois e revolve com carvão ardente. Teu ouro reagirá um pouco. Deita-os num mármore, moído em pó com 12 de azougue. Fá-los ficar como manteiga ou queijo, moendo e agitando um e outro, aqui e ali, de quando em quando, lavando com água limpa vulgar, até que a água saia clara e a massa pareça clara e branca (farás assim com a lua fundida). Está feita a sua conjugação com a Satúrnia real solar. Logo que fique como manteiga, tomarás a massa, que secarás lentamente com um pano ou tecido fino, com muita arte. Eis o nossos chumbo e a nossa massa do ouro e da lua, não vulgares, mas filosóficos. Coloca-os, agora, numa boa retorta de barro refractário, preferível de aço, depois num forno, e dá-lhe fogo, aquecendo pouco a pouco. Acopla um receptor adequado na retorta durante duas horas e aviva, depois, o teu fogo tanto, que o mercúrio passe para o receptor. Este é o mercúrio ou água da roseira florescente, o sangue dos inocentes, pois é a água do ouro e da lua filosofais. Podes crer que aquele mercúrio devorou um pouco do corpo do Rei e poderá dissolver com muito mais poder o outro, que será, mais adiante, muito mais aberto pelo corpo da Satúrnia.

Terás, assim, subido um degrau ou escalão na escada da arte. Toma já as fezes da retorta, funde-as no cadinho a fogo forte, extraindo todo o fumo saturnino, e quando o ouro em fusão estiver limpo, infunde dentro, como da primeira vez, dois de Satúrnia. O sol IX infuso nas ditas fezes é muito mais aberto que da primeira vez, e como o mercúrio está agora mais ácido que antes, terá adquirido muito mais força e vigor para escrutar e, por assim dizer, de devorá-lo e encher e seu ventre pouco a pouco. Tem em atenção, caro sobrinho, os graus do engenho da Natureza e da Razão, para que subas por escalões ao mais elevado nível da Filosofia, que é, sobretudo, o curso da Natureza e que jamais encontrarias se não te transmitisse esta maestria. Bendiz o Senhor pelo que me concedeu para te confiar, porque sem isto de nada te serviria trabalhar, como alguns e fazem com prejuízo de muito pecúlio, infinitas penas e trabalhos, vigílias ansiosas e deprimentes preocupações. Faz, então, como das primeiras vezes, casa com o mercúrio saído, já citado, robusto em graduação, pulverizando e pilando, para que extraia toda a negrura, e seca como te disse. Mete tudo na referida retorta e faz como tens vindo a fazer, durante duas horas a fogo lento e adequado, depois forte e bom, para forçar o mercúrio a sair para o receptor. Terás o mercúrio muito mais liquefeito e alcançarás nesta altura o segundo degrau da escala filosófica.

Continua a trabalhar como tens vindo a fazer, lançando o filho saturnino em peso conveniente, pouco a pouco, manipulando com discernimento, nem de mais nem de menos, como fizeste no começo, até que alcances o décimo degrau da escada. Repousa, então. Possuis já o dito mercúrio ígneo liquefeito completamente emprenhado e carregado de enxofre macho e do vigor do sal astral que provém das mais profundas cavernas e vísceras do ouro e do nosso dragão saturnino. Acredita que te escrevo coisas que nenhum Filósofo jamais disse ou escreveu. É o maravilhoso caduceu sobre que discorrem todos os sábios nos seus livros, afirmando que ele tem o poder, só por si, de realizar toda a obra filosofal. Suas afirmações são verdadeiras, como eu mesmo descobri sozinho ao trabalhar com este mercúrio, tal como poderás conseguir, se tiveres isto em mente, pois que este, e não outro, constitui a natureza próxima e a raiz de todo o metal. Trata de possuir este mercúrio, e não outro licor, como cuidam alguns néscios e loucos que não reflectem que estes metais são feitos do licor que o referido mercúrio reduz, dissolvendo em licor o sol e a lua, a fim de preparar natural e simplesmente a tintura filosofal ou o pó de projecção, capaz de transmutar todos os metais em sol e lua, que alguns julgam, satisfeitos, terem alcançado, quando possuem este mercúrio, celestial apropriado, mas falham muitíssimo nisto, enfrentando desgostos antes de colher a rosa, por falta de entendimento.

É bem verdade que se eles conhecessem as proporções e o regime do fogo correctamente, não teriam de se esforçar muito e não poderiam errar, ainda que o quisessem, mas nesta arte é assim o modo de trabalhar. Escuta e procura fazer como te ensino. Em nome de Deus tomarás, então, do teu mercúrio animado 2 ou 4 partes como quiseres, colocá-las-ás num matrás obtuso sós ou com dois de Satúrnia solar, sendo uma de ouro e duas de Satúrnia, tudo amalgamado como manteiga, com cuidado e destreza, lava, limpa e seca. Cerra por cima com boa cera, ou seja, o luto da sapiência. Coloca esta confecção como a galinha choca os seus ovos. Deixa o mercúrio assim preparado seguir o seu curso por alguns dias, isto é, a saber durante 40 ou 50 dias até que vejas formar-se no vaso um enxofre branco ou vermelho de sublimado filosofal, o qual sai dos raios do dito mercúrio. Colhe-os com uma pluma, porque são o ouro e a prata vivos que o mercúrio da à luz, para fora de si.

GIRO DE RODA

Toma agora estes enxofres brancos ou vermelhos, tritura em almofariz de vidro ou de mármore, humedecendo-os com a terça parte do seu peso do mercúrio, donde foi extraído por sublimação, tendo o enxofre saído da putrefacção daquele. Faz de ambos uma pasta semelhante à manteiga, remete esta mistura num matrás cerrado ao forno, com fogo adequado e suave de cinzas, conforme o entendimento filosofal, coze até que o mercúrio se tenha transformado em enxofre. Durante a cozedura observarás coisas surpreendentes no teu vaso, tais como todas as cores do mundo, o que não poderás admirar sem elevar o teu coração a Deus, em acção de graças a tão elevado dom.

Quando chegares ao vermelho púrpura, colhê-lo-ás, pois está elaborado o pó alquímico capaz de transmutar qualquer metal em ouro fino, puro e límpido, que poderás multiplicar, humedecendo-o, assim como fizeste, pulverizando com novo mercúrio, cozendo no mesmo vaso, mesmo forno e mesmo fogo. Operação muito mais curta, contudo, sua força terá dez vezes mais poder. Eis a plena maestria com o único mercúrio, que alguns não acreditam ser verdadeiro porque são surdos e imbecis, incapazes de produzir tal obra.

Se desejas trabalhar por outra via, toma ouro fino, três partes em pó ou em folhas muito bem laminadas, prepara uma pasta com 7 partes do teu mercúrio filosofal, a nossa lua. Coloca isto num matrás oval ao forno, muito bem lutado, e aplica fogo muito forte, assim como se mantêm para o fogo de fusão do chumbo sem assentar ou coagular, porque logo se encontra o modo correcto de regular o regime do fogo, e o teu mercúrio, que é vento filosofal, sobe e desce sobre o corpo do ouro, que devora pouco a pouco e que transporta em seu ventre.

Coze tanto que o ouro e o mercúrio não subam e desçam mais e se mantenham ambos copulados e esteja consumada a paz e o acordo entre os dois dragões, que são fogo e água unidos. Agora, terás em teu vaso um aspecto negro, assim como pez dissolvido, a marca da morte. A putrefacção do ouro é a chave de toda a maestria. Ressuscita-o e regenera-o, cozendo-o durante 40 dias, não te enganes, logo aparecerão mutações diversas, tais como a cor negra, cinzenta, verde, branca, alaranjada e, por fim, um vermelho como sangue ou de papoila carmesim. Não te preocupes senão com esta última, porque ela, com ela, o verdadeiro enxofre chegou ao fim e possuis o pó alquímico. Não te referirei o momento justo, pois isto dura em função da habilidade de trabalhar, contudo, não poderás falhar se fizeres o que te ensino.

MULTIPLICAÇÃO

Se desejas multiplicar a pedra, ouve. Toma uma parte dela, multiplica-a com duas partes do teu mercúrio animado, coze como fizeste nos matrases após teres feito deste uma pasta mole e macia, no mesmo forno e no mesmo fogo. Em muito menos tempo estará realizado o segundo termo da roda filosofal e o pó adquire dez vezes mais poder do que no seu primeiro nascimento. Procura dar-lhe mais uma volta ou mesmo mais, se quiseres, e terás concluído o tesouro sem preço, o melhor que existe no mundo inteiro, além do qual não podes aspirar mais. Possuirás saúde riquezas se o usares como deves. Terás o tesouro que concede toda a felicidade mundana e que eu, pobre rural nativo de Pontoise, fiz e realizei por três vezes na minha casa da rua dos Escrivains, muito perto da capela de St-Jacques-de-la-Boucherie e que eu, Nicolau Flamel, te concedo pelo amor que te dedico e em honra de Deus, para sua Glória e louvor do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a sagrada Trindade, a quem rogo que, a partir deste momento, te ilumine e conduza no caminho da verdade, da luz e via da salvação. Assim seja.

O FERMENTO

Repara, agora, na boa forma de trabalhar, para levedar a pasta filosofal e obrigá-la a aumentar mediante o fermento idóneo e filosofal. Tomarás três partes de ouro fino em pó e seis partes de mercúrio animado com uma parte e meia de enxofre vermelho. Junta estes ingredientes, pulveriza-os num almofariz de vidro, numa espécie de manteiga ou queijo, coloca este composto em um matrás calafetado a fogo de calor de galinha. Não te canses de cozer e verás uma coisa maravilhosa, de que o entendimento humano nada pode dizer, nem negar jamais, de tal modo é bela a obra da natureza com as mutações que se vêem de todas as cores, que deslumbram e ofuscam os olhos do manipulador tão intensamente como nenhuma outra coisa do mundo o faria. Então, em tempo preciso, observarás que o teu vaso contém pó vermelho vivo, de cor sanguínea, como púrpura. Eis completa a arte da alquimia filosofal, na verdade, um milagre tão grande que não se acredita. Não me canso de afirmar que possuirás este tesouro mundano. Fica sabendo que cura todas as doenças, quaisquer que sejam, até mesmo toda a enfermidade que o médico é incapaz de curar, a não ser o médico filosofal. A partir daqui transmuta qualquer metal em estado de fusão no cadinho, através da injunção deste mesmo mercúrio na ebulição, em ouro fino, puro, limpo e colorido resistente a todo o julgamento dos homens, do fogo, até mesmo do chumbo e do lobo voraz, um ladrão que arrebata tudo além dele, mas ainda melhor, transforma calhaus e cristal de minério ou de rocha em rubis finos.

PARA PRODUZIR FRUTOS DA PRIMAVERA NO INVERNO

Podes fazer ainda uma outra coisa, a saber, se desejas flores e frutos no frio do Inverno dissolve 6 grãos do referido pó vermelho à saída do vaso em 10 pintos de água de orvalho tépido e rega tal árvore ou flor que queiras, colocando-as dentro da casa ou cobrindo-as com uma palha ou feno. Verás, em pouco tempo, uma súbita e maravilhosa vegetação e crescimento, o que muito te surpreenderá.

MANEIRA DE USAR A MEDICINA

A fim de te informar como se deve usar esta medicina para a saúde do teu corpo e da tua memória, advirto-te que, ao sair do vaso quando está purpúrea, deves diluir, isto é, dissolver alguns grãos em vinho branco ou aguardente, até que o vinho esteja colorido, dourado apenas, pois é a marca certa. Não receies de ministrar ao doente 12 ou 15 gotas em vinho, caldo ou outro licor. Como que por milagre, logo estará curado. Não te jactes nunca disso, porque os homens são malvados e invejosos, quando incapazes de fazer o mesmo que os outros. Assim, para que mantenhas a saúde quotidiana, toma 9 gotas dela, dissolvida e dourada, em quatro alturas do ano, ou seja, em 22 de Março, 22 de Junho, 22 de Setembro e 22 de Dezembro, no licor que preferires. Utilizando-a como te ensino, não padecerás jamais de enfermidades e gozarás uma vida feliz, cheia de saúde e de riquezas, serás senhor de toda a natureza, pois possuirás mas pedras preciosas, ouro e prata que príncipes e reis.

COMO SE PREPARA O PÓ DE PROJECÇÃO A PARTIR DO ELIXIR

Eis como se procede. Funde num cadinho 10 onças de ouro fino e lança dentro, sobre o ouro fundido, uma onça do pó vermelho. Deixa em fogo muito forte durante duas horas, retira logo o cadinho, deixa arrefecer, parte-o e verás no fundo um vidro vermelho, que é o ouro exaltado, pó verdadeiro e régio capaz de transmutar todos os metais em ouro puro, melhor do que se encontra nas minas. Podes, assim, dispor de muitas fortunas, o que não conseguem os reis sem reclamar dos outros. Procede, pois, caro sobrinho, como eu, ao socorrer os pobres, nossos irmãos em Deus, ornamentar os templos do nosso Redentor, libertar das prisões muitos cativos detidos por dinheiro, e a boa leal utilização que farás conduzir-te-á ao caminho da glória e salvação eterna, na mansão de Deus, que eu, Nicolau Flamel, te desejo em nome do Pai Eterno, do Filho Redentor e do Santo Espírito Iluminador, a Santa sagrada e adorável Trindade, Amén.

Trata de moer o vidro vermelho e de o colocar num matrás guardado. Quando desejares fabricar ouro a partir do chumbo, estanho, latão, prata ou mercúrio, fá-los fundir num cadinho e purga-os aí, excepto a lua e o mercúrio. Logo que fumeguem, lança em cima 30 ou 40 libras deste mercúrio, ou do outro de que te falei, 5 ou 6 grãos de pó multiplicado e envolto em cera. Ficarás surpreendido por encontrá-los transmutados em ouro. As fezes saídas à parte dos referidos metais, reduzidas a cor de cinza, passá-la-ás pela fornalha e, se estiverem demasiado vermelhas e esmagadas em pó, faz fundir prata e lança em cima a massa vermelha moída, ou, se preferires, casa com o mercúrio, passa tudo pela fornalha, e Saturno, Júpiter, Marte ou Sol, Mercúrio e Lua ficarão finalmente suaves e coloridos como convém. Recorda-te de dar graças a Deus.

Eis toda a maestria, que te dispenso sem omitir nada, meu caro e amado sobrinho de minha tão querida mulher Perrenelle. Bendito seja Deus. Amén.

Repara que a primeira imbibição com este pó vermelho transmuta uma parte em cem partes. Uma da segunda, mil partes: da terceira, dez mil: da quarta, cem mil, sempre mais e mais forte, coisa que não poderás compreender se não vires com os teus próprios olhos.

Assim, se pretendes fazer muito ouro, caro sobrinho, o que nunca é aconselhável pelo que pode advir de inconveniência e prejuízo, mete cem onças de azougue num grande caldeirão de ferro, a fogo forte. Quando estiver quente a fumegar, tem já preparada uma onça de pó escarlate da quarta imbibição, envolve-a com cera como uma pequena bola e lança-a sobre o dito azougue fumegante. O fumo desaparecerá rapidamente. Activa o fogo e logo se transformará, parte em massa e parte em pó de ouro amarelo, que fundirás em cadinho. Vazarás em massa ou lingote e extrairás de todo este mercúrio cerca de 99.170 onças de ouro puro, de qualidade insuperável, que utilizarás como achares melhor. Eis-te, caro sobrinho, muito mais rico que todos os reis, pois possuirás mais do que eles e do que podem dispor em todo o seu reino mundano. Mas não produzas ouro senão pouco a pouco, com prudência, sem revelar nada a ninguém e sem confiar jamais nos outros.

Desvendei-te o tesouro de todos os tesouros deste mundo, que possuí e fiz pelas minhas próprias mãos com a minha tão querida e bem amada companheira Perrenelle. Usa, pois, deste tesouro em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, para que vivas sem preocupações, rico neste mundo, e alcances a palma de glória no Reino de Deus, o que te desejo. Amén.

GLOSSÁRIO

Medidas de peso e capacidade

Escruplo - Medida de peso antiga corresponde a 1,296g (20 grãos).

Grão - Medida de peso correspondente a 0,0648g (1/7000 da libra Inglesa).

Gros - Medida de peso equivalente a 3,55g (1/128 libra).

Libra - Antiga unidade de massa equivalente a 453,59g (Inglaterra).

Lots - Antiga medida de peso alemã equivalente a 14,17g (1/2 onça).

Marco - Antiga medida de peso para o ouro e a prata correspondente a 16,6g (256,27 grãos).

Onça - Medida antiga de peso. Equivale a 28,349g (1/16 da libra Inglesa).

Pinto - Medida Inglesa de líquidos (0,586 L).

FIM

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