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Tuesday, September 27, 2005

A PRÁXIS PROFÉTICA

Por entendermos que é um direito e um dever da entidade humana buscar a felicidade (e esta entendida como uma vida na inteligência, na sabedoria, na fé e no amor), concebemos, com vistas a se formar uma proposta de viabilização deste ideal, um programa de ação.
Tal programa consiste na criação de uma comunidade de trabalho constituída por homens livres e de boa vontade, que estejam ansiando pela instrução, sedentos da verdade, a fim de levar a cabo um plano de investigação, pesquisa em rede, estudos e debates, e que objetivasse a busca de um campo unificado de conhecimento, isto é, de uma síntese que unifique as ciências para a resolução de problemas complexos, e que também unifique ciência e religião.
A nosso primeiro passo deve ser, nas palavras de São Boaventura, o “suspirar por Ele (isto é, pelo Senhor) neste vale de lágrimas”, o que se traduz pela oração fervorosa, por um permanecer em Jerusalém, a cidade do Deus vivo, até que Deus derrame copiosamente seu Espírito, e nos faça compreender as Sua Palavra.
O Espírito de Deus nos conduz, pela razão, à uma investigação que procure apreender os vários pontos de vista, uificando-os (o que é uma habilidade e uma especialidade mesma da razão), isto é, descobrindo a unidade que os transcende, fazendo-os passar do conhecido ao desconhecido, do visível ao invisível, do finito ao infinito.
Este trabalho também se expressa pelo esforço em se discernir as coisas antigas e a sabedoria de Deus, a qual vem iluminando homens de todas as épocas e nacionalidades; até que alcancemos o conjunto de noções comuns s todos os sábios que, através da pesquisa, se encontram na mesma compreensão da causa das causas. Dito de outro modo, até cheguemos à gnose, à contemplação da verdade, à redescoberta da palavra perdida, da palavra de amor, vale dizer, do Verbo.
O trabalho de procura das pequenas e grandes sínteses leva em consideração, primeiramente, que a verdade é um sistema que pode ser comparado a um quebra-cabeça, cujas peças estão espalhadas nos diversos sistemas filosóficos e científicos. Segundamente, que a verdade coincide com o bom fruto e, portanto, com o bem mesmo, tal como já vimos em nosso primeiro capítulo.
O saudoso teólogo e naturalista Djalma Silveira Belieny, de abençoada memória, em sua obra Desvendando Mistérios do Mundo Científico, nos fornece um instrumental metodológico fundamental para este nosso programa de pesquisa. Ele nos adverte de que se as ciências estão intimamente relacionadas em um quadro hierárquico, e de que a liberdade de uma termina onde começa a da outra. (Cf. Djalma Silveira Belieny. Desvendando Mistérios do Mundo Científico. Rio de Janeiro, 1983.)
Neste quadro, a matemática está na parte inferior como a mais simples de todas as ciências e a menos complexa. Na parte superior deste quadro hierárquico está a teologia, a menos simples e a mais complexa. As ciências, dentro deste quadro, estão inter-relacionadas de baixo para cima neste ordem: matemática, física, química, biologia, ciências sociais e morais, filosofia e teologia. A investigação respalda-se num princípio universal básico, a saber, o de causa e efeito. A causa pode ser particular ou geral.
É sabido que o ser humano vive em dois mundos, o espiritual e o físico. Belieny, no entanto, acrescenta que cada mundo possui sua própria ciência. As ciências do universo físico são a matemática, a física, a química e a biologia, com as quais formam-se os problemas simples, que são solucionados pelo laboratório científico.
As ciências do universo espiritual, por seu turno, são as ciências sociais, as ciências morais, as filosóficas e as teológicas, com as quais formam-se os problemas complexos, que são solucionados pela mente científica. As ciências do mundo físico são chamadas, por Belieny, de físicas ou objetivas; as do espiritual, de espirituais ou subjetivas.
O resultado final de um problema do âmbito das ciências do universo físico tem que ser objetivo, obrigatoriamente, o que significa que precisa contar com todos os recursos das esfera material, isto é, análises químicas, computadores e etc. A solução de tais problemas estarão apenas dentro da esfera material.
Já os efeitos que são alcançados pela solução de um problema no âmbito das ciências espirituais, por sua vez, têm que ser espirituais e subjetivos, significando isto que têm que contar com todos os recursos espirituais ao seu alcance. Precisam entrar em sintonia com a Mente Divina, a qual é, ao mesmo tempo, mente criadora e mente científica.
De acordo com Belieny, na solução de complexos problemas, a mente científica, por meio da imaginação, a abstração e a generalização, penetra nos espaços do conhecimento empírico, científico, simbólico, metafísico e teleológico, os quais não estão ao alcance do laboratório e do computador.
A mente científica, assim equipada, toma como ponto de partida o último efeito de um complexo problema, realizando nele, a partir daí, uma jornada retrospectiva, através das causas e efeitos intermediários até, por eliminação, se chegar à causa primeira responsável pela problemática, a qual se constitui na única chave para desvendar o mistério todo.
Embora se diga que os problemas das ciências espirituais e subjetivas são resolvidos pela mente científica, isto não quer dizer que não existam, nestes, problemas da esfera material. De modo análogo, os problemas do âmbito das ciências físicas e objetivas, conquanto sejam resolvidos pelo laboratório cientifico, não dispensam a mente científica, pois todas as ciências utilizam a mente.
Ressaltemos aqui a diferença entre o laboratório científico e a mente científica. Entre uma e outra ciência, existe uma linha que as separa, cada uma delas exigindo um método diferente, de acordo com seu objeto e com sua esfera. Quando um problema é composto de muitas ciências, sua solução só pode ser alcançada pela mente científica através do método das ciências englobadas.
Propomos, para a concretização, portanto, deste projeto, a criação da Universidade das Luzes, entendendo que, ao contrário do que pensa a teologia reformada, o conhecimento regenera o homem, tendo eficácia salvífica, assim como também as obras (pois a fé é uma com as suas obras); entendendo, também, que é tarefa do homem de fé cumprir com seu dever cívico de fornecer respostas, alternativas e até soluções para as grandes questões e problemas do seu mundo, sendo isto uma obra profética e divina. A UNILUZ não será uma universidade no sentido convencional, mas, sim, uma corporação de estudiosos, pesquisadores e pensadores livres.
Esta organização, além de ser uma oficina de estudo e pesquisa que tentaria levar a bom termo o nosso programa, também funcionaria como uma espécie de centro aglutinador e de cultivo do espírito humano, da fraternidade universal, da doutrina dos apóstolos, da comunhão, do partir do pão e da oração.
Como o maior obstáculo para as pessoas se dedicarem à busca da felicidade no amor ao próximo, na inteligência, na sabedoria e na fé é a preocupação com o sustento físico, ressaltamos aqui a importância de se fomentar a universal fraternidade, e propomos como um meio concreto de viabilizá-la: a criação de um armazém popular, o qual atenderia, primeiramente, aos membros da confraria, de acordo com suas necessidades e, segundamente, à comunidade como um todo. A preocupação com o sustento de cada um, deve ser uma responsabilidade de todos. O lema é: “Um por todos, e todos por um”.
Este armazém popular poderia conter todo tipo de gênero de necessidade do homem: roupas, alimentos, mobílias, artefatos em geral e até dinheiro mesmo. Quando havia o Templo Sagrado em Israel, existia nele duas salas, a saber, uma para a caridade e outra para os utensílios. A sala da caridade chamava-se “Sala Secreta”, porque as pessoas de bom coração depositavam ali dinheiro para os que necessitavam, os quais tinham o direito de, sem que ninguém soubesse (para que não se envergonhassem), ir até ali e pegar o que fosse necessário para eles. Na sala dos utensílios, as pessoas depositavam objetos como oferendas ao Templo, os quais eram recolhidas pelos sacerdotes de acordo com as necessidades do seu serviço sagrado.
Uma outra idéia seria a criação de cooperativas experimentais em regime de turnos. Cada cooperativa seria dirigida por um grupo de membros da UNILUZ, o qual seria dividido em subgrupos. Haveria então uma escala que encaixaria cada um destes subgrupos em turnos de trabalho, deste modo: quando um subgrupo estivesse trabalhando na cooperativa, os demais estariam ocupando-se com os serviços de contemplação da UNILUZ. Haveria, portanto, o turno do subgrupo A, do B, do C e assim sucessivamente, e o revezamento e a rotatividade constante garantiriam que todos se ocupem mais com o Reino de Deus do que com a ansiosa solicitude pela vida. Maior é a vida do que o alimento.
Para esta finalidade, também pensamos na criação, igualmente a título experimental, de um banco de crédito popular, o qual concederia o crédito gratuito e adiantamentos de capital livre de interesses, primeiramente, às cooperativas que estivessem diretamente ligadas à UNILUZ, e, segundamente, aos produtores de outras cooperativas.
Este banco também poderia funcionar como uma entidade financiadora, a qual fomentaria, através de subsídios, a pesquisa, a criação de editoras (que publicassem livros, coletivos e revistas nas quais constassem artigos que divulgassem os resultados das pesquisas realizadas) e de ONGs.
Este banco de crédito e entidade financiadora seria mantido por uma rede de dizimistas, e estaria sob a administração direta da UNILUZ. Que seja votado, democraticamente, um estatuto para a UNILUZ (estabelecendo oficialmente, suas diretrizes e bases administrativas, tais como instituindo-se um conselho geral, um outro do tesouro, um outro editorial e assim por diante), tão logo se inicie os trabalhos desta organização.
Todavia, o início de tudo será permanecer em Jerusalém (no sentido espiritual) até que Deus derrame, lá do alto, o Seu Espírito; pois, sem Ele, nada podemos fazer. A Deus toda a glória.

O PLEROMA GENÉTICO

A vívida consciência de nossa origem divina é o fogo do altar do sacrifício do templo do coração, o qual consome as dimensões de nosso ser que nos prendem à animalidade, à incompletude e à ilusão, libertando a alma da escuridão na qual está aprisionada, facultando-nos enxergar as coisas com visão espiritual, cósmica.
Isto não quer dizer que não devamos mais casar, ou que tenhamos que fazer voto de solidão, ou de pobreza. Quer dizer apenas que, mesmo que se tenha tudo, devemos viver como se nada tivéssemos. Não é o nosso corpo o culpado, nem é a sexualidade humana uma coisa suja. O que precisa ser queimado são a insolência, a inveja e o orgulho que estão em nossos corações.
Mas por causa do rumo que as coisas tomaram, há que se oferecer o mundo material para ser queimado e, com ele, todas as ilusões que nos aprisionam, com o fito de liberar nossa natureza divina. Este princípio opera nas esferas sensível e espiritual. Espiritualmente, este aniquilar as ilusões (especialmente, a de que é possível a felicidade fora do domínio espiritual) passa pela desconstrução da falsa idéia da existência de uma felicidade pessoal.
Por felicidade pessoal entendemos o modo de perceber a felicidade humana enquanto centrada no indivíduo, como se as pessoas não fizessem parte de um todo; como se cada indivíduo fosse uma espécie de ilha onde fosse possível a felicidade privada.
O individualismo nasce da exacerbação dessa consciência individual, isto é, dessa percepção de si como um ser separado dos demais. É daí que surgem as noções de “satisfação pessoal”, “realização pessoal” e coisas análogas.
O aparecimento da egoidade na odisséia existencial de cada um de nós, no entanto, é fundamental, pois é ela que nos dá a consciência de que somos seres únicos, singulares (o que, em proporções corretas, é essencial para a formação de uma auto-imagem saudável). Todavia, tal egoidade, tal consciência individual, precisa ser superada por uma consciência mais universal.
É a ilusão de que existe felicidade pessoal que faz com que um homem pense que pode ser feliz morando em um apartamento de luxo no Leblon, mesmo que a janela de sua sala de jantar dê para uma favela onde há milhares de semelhantes seus vivendo em condições degradantes.
Cada um de nós é parte de um todo, e a parte só é feliz quando o todo é feliz. É como o que ocorre em um corpo: quando um membro sofre, todos sofrem. Não existe felicidade pessoal porque a verdadeira felicidade é universal: cada um de nós só será feliz quando toda a humanidade for feliz. O morador do apartamento de luxo no Leblon não será feliz enquanto aquele miserável da favela não for feliz também, pois, ambos, fazem parte de um mesmo todo. É a isto que chamamos de consciência universal.
A felicidade, a alegria e a realização só serão completas se forem de todos e englobarem a todos. A idéia de que existem indivíduos autônomos é talvez uma das maiores ilusões da egoidade. A família é mais auto-suficiente que o indivíduo; o Estado, mais que a família. Uma associação de pessoas sempre é mais auto-suficiente que um indivíduo isolado, e isto só comprova a máxima de que o homem é um ser social.
Um indivíduo desempregado sucumbirá se ele permanecer sozinho. Todavia, se juntarmos dez desempregados, eles formarão uma cooperativa. Um pequeno produtor rural que tem apenas seis alqueires de terra não terá poder de negociação: nem para a venda do produto, nem para compra de insumos e de maquinário. Mas se se reúnem dez pequenos produtores rurais e juntam seus esforços e propriedades, então teremos uma grande cooperativa, a qual produzirá o equivalente a uma grande fazenda. Só assim conseguirão empréstimo tanto bancário, quanto do órgão governamental competente. Ainda é pouco conhecido o poder que tem a consciência universal.
A consciência universal é crística; ao passo que, a individual, luciferiana. O anjo caído é o grande patrono do individualismo, o qual quis emancipar-se de Deus em busca de sua felicidade pessoal. Ele achava que poderia encontrá-la criando um reino só para ele: como caíste do céu ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as nações! Tu dizias em teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte... (Isaías 14: 12 e 13.)
É a exacerbação da consciência individual luciferiana que está no cerne de todo materialismo e de todo hedonismo da sociedade de consumo. Está no âmago, por conseguinte, de quase todas as misérias do gênero humano. O diabo (outro nome para o anjo caído) representa o contrário de toda união e fraternidade entre os homens, pois “diabo” vem do grego, diabolos, que quer dizer caluniador, provocador de discórdia. Daí o caráter diabólico do individualismo.
A consciência universal, ou crística, por seu lado, é de onde emerge a condição heróica do amor do auto-sacrifício, o qual fez com que Cristo renunciasse a toda a sua glória para se tornar servo de todos. Jesus proclamou abertamente a consciência da unidade nossa com o todo, como atestam suas próprias palavras: Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de Ti. Pai Santo, guarda-os em Teu Nome, que me deste PARA QUE ELES SEJAM UM, assim como nós. (João 17: 11.)
São as ilusões da consciência individual que nos impedem de superá-la, a fim de que passemos a ver as coisas com os Olhos do Eterno, isto é, com visão cósmica, espiritual. A visão do espírito é a que indaga sobre razão pela qual o homem está neste mundo, bem como sobre o objetivo de nossas vidas e de toda a criação. Reside ela na compreensão de que a felicidade do homem só é possível se seus esforços estiverem de acordo com o fim para o qual foi criado.
Segundo o que foi já estabelecido pelos filósofos da Antigüidade, a filosofia prática (na qual podemos incluir a ética e a política), diferentemente da especulativa, é a que diz respeito à conduta humana e seus fins, seus bens. As ações dos homens, seus fins e seus bens, por seu turno, estão subordinados a um fim último. Este fim último é o bem supremo, e este bem supremo, de acordo com o que concluíram os filósofos em suas penosas, porém, necessárias, especulações, é a felicidade.
Todavia, uns viam no prazer e no gozo a fonte de toda felicidade; outros, na riqueza, na glória e na honra. Sócrates, Platão e Aristóteles, em contrapartida, combateram estas concepções materialistas de felicidade. Para eles, a felicidade residia para o homem naquilo que o diferencia dos outros animais, vale dizer, na contemplação e no viver conforme a razão.
Por contemplação entendemos a busca pela verdade, na indagação constante por ela. A função da ignorância é a de despertar no coração dos homens a vontade de serem instruídos. O bem supremo, com efeito, consiste na adequação de cada coisa ao fim para o qual existe.
Há duas palavras em grego para fim: éscathon (de onde vem o termo escatologia, em português) e télos (que deu origem, por sua vez, ao vocábulo teleologia). Éscathon designa o fim no tempo, a morte: a destruição; Télos, entretanto, o fim na forma, a meta a ser alcançada, o auge, a conclusão de um processo (como quando um artista conclui sua obra de arte).
Télos também pode designar o fim na acepção de finalidade, de função de alguma parte dentro de um todo e em relação a este todo (como quando dizemos que a finalidade da vista no corpo é a visão). Quando dizemos que o bem supremo está na realização do fim de cada coisa, referimo-nos ao fim na forma.
O fim na forma é o que chamamos de pleroma, palavra do grego que quer dizer plenitude, a qual é simbolizado por nossa rosa aberta, no auge de seu desabrochar. Que há um pleroma dos tempos, é o que podemos conferir no Novo Testamento: Mas vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos.(Gálatas 4:4) A palavra que aparece traduzida no texto como “plenitude”, em português, é pleroma, no original grego.
A escatologia só consegue ver o decrescimento da involução porque só contempla as aparências: é puramente fenomenológica. A teleologia, por outro lado, transcende esta visão física limitada e contempla o florescimento das coisas da perspectiva de seu poder de aparição (que é sua promessa de plenitude), ainda que latente e não manifesto. Pois toda manifestação é impulsionada, guiada e endereçada a uma finalidade, a um todo que dá sentido às partes, a uma enteléquia que anima todo o processo, constituindo-se na alma e na essência do que está florescendo: em sua latência e processo.
O escatólogo dá ênfase ao fim do mundo no sentido de sua destruição e nada mais. É como se alguém visse o Davi de Michelangelo ainda inacabado e não somente o achasse horrível, mas, também, impossível de ser melhorado. A forma é algo puramente espiritual, e ela existe, num primeiro momento, apenas mentalmente, para, depois, expressar-se, demiurgicamente, na matéria. A forma do Davi de Michelangelo sempre foi bela na mente deste artista, mesmo antes que o mármore começasse a ser trabalhado.
Com efeito, a visão do escatólogo é sombria e sem esperança, pois ele olha a matéria desforme e inacabada e acha que não existe nada mais além disso. O teleólogo, porém, mesmo em meio à condição inacabada do mundo (razão da existência do mal) contempla com o olho do espírito o fim glorioso a que se dirige o devir histórico. Esta é a visão profética. O escatólogo contempla a matéria; o teleólogo, a forma, o pleroma.
O homem não foi criado para correr atrás de um pão ou de uma papa miserável e tampouco deve ele ocupar os mesmos estábulos que os bois e os asnos. Nossa felicidade está em ser um colaborador na criação do universo. Isto significa participar dos seis dias da criação, obrando para que todas as coisas alcancem o seu pleroma genético (isto é, a plenitude dos poderes divinos de todas as coisas e de toda a criação), como um sacerdote da natureza. Ser um sacerdote da natureza significa ajudá-la em todos os seus processos.
Ser um colaborador de Deus no programa da criação implica em OBRAR PARA A CONSTRUÇÃO DO PARAÍSO TERRESTRE. Isto ocorre todas as vezes que trabalhamos para o benefício de nossa geração e, inclusive, das vindouras, não apenas para o nosso bem estar pessoal. Tal fato dá-se quando o labor humano é orientado pela consciência crística, universal.
Há que se transmutar nosso desejo egoísta de receber apenas para nós próprios em desejo de receber para compartilhar, como dizem os místicos judeus. Os grandes cientistas e inventores que verdadeiramente trabalharam para o progresso da humanidade podem ser contados entre os obreiros de Deus. Digo isto porque o Paraíso Terrestre também é construído pelo esforço criativo do homem, do qual a ciência e a tecnologia são expressões.
Instaurar o Paraíso Terrestre significa laborar no sentido do bem e do progresso da humanidade. Isto pressupõe investir no potencial humano; investir no talento enquanto ele ainda é imaturo; acreditar na capacidade das pessoas mesmo enquanto elas ainda não estejam prontas e acabadas. Por conseguinte, implica em lutar pelas verdadeiras bases da civilização (cujo arquétipo é a Nova Jerusalém) contra a barbárie; pela causa da liberdade de pensamento; pela causa do ensino e sua infindável luta contra a ignorância. A felicidade humana está no estudo, no desenvolvimento das virtudes e das habilidades, bem como na prática da caridade para com nosso próximo.
Há que se reabilitar o valor da vida humana questionando todo progresso e todo crescimento econômico que não tenha como finalidade a vida. Há também que se repensar a relação do homem com o meio ambiente, para o cumprimento do propósito original para o qual o homem foi criado: transformar o nosso planeta num jardim idílico, e é esta a idéia que subjaz ao trecho das Escrituras que se segue: Esta é a gênese dos céus e da terra quando foram criados, quando o Senhor Deus os criou. Não havia ainda nenhuma planta do campo na terra, pois ainda nenhuma erva do campo havia brotado; porque o Senhor não fizera chover sobre a terra, e também NÃO HAVIA HOMEM PARA LAVRAR O SOLO. (Gênesis 2: 4 e 5.)
Isto acontece quando refinamos nossa vontade e o nosso desejo para que eles possam ser um com a vontade e desejo do Eterno. A Bíblia começa com um paraíso ecológico (o jardim do Éden), e termina com um paraíso social: A Cidade de Deus. Há um rio cristalino que nasce do Trono do Eterno, na Nova Jerusalém. Se fosse nas cidades de hoje, este rio se tornaria um depósito de esgoto.
A Nova Jerusalém vem sendo construída através dos séculos. O aparecimento do ambientalismo e do ecologismo, a expansão e democratização do ensino, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a abolição da escravatura, embora de maneira ainda muito imperfeita, são sinais claros do despontar da civilização iluminada no horizonte da história.
A descoberta da penicilina e a da vacina contra a paralisia infantil são apenas alguns dos muitos exemplos de conquistas que constrõem a civilização iluminada. A nossa vontade e o nosso desejo tornam-se unos com a vontade e o desejo do Eterno quando os direcionamos para o bem de todos.
Alguns poderiam indagar: “Mas o Paraíso Terrestre não será estabelecido num piscar de olhos pelo poder de Deus?” Todos conhecemos o relato contido nas Escrituras acerca da construção do Templo Sagrado pelo Rei Salomão. Poderíamos também indagar: “Por que Deus não fez aparecer o Templo num piscar de olhos?” Isto custaria menos esforço para o homem, mas, em compensação, ele estaria privado do prazer de se entregar a uma maravilhosa obra criadora. Assim é também relativamente à construção do Tabernáculo cósmico, da Catedral da Humanidade (pois o planeta é o Templo), do Paraíso Terrestre.
O homem é um colaborador de Deus para a construção do Paraíso Terrestre através do trabalho criativo. Temos mais do que evidências nas profecias bíblicas de que o Reino de Deus manifestar-se-á em sua plenitude aqui na terra, tal como podemos conferir no Salmo 37: Porque os malfeitores serão exterminados, mas os que esperam no Senhor possuirão A TERRA. (Salmo 37: 9.)
O que pode ser uma novidade para muitos é a revelação de que o agente do Eterno para esta transformação no plano físico é o homem, o GUARDIÃO DO PLANETA TERRA, o ANJO TERRESTRE.
O labor criativo, demiúrgico, tem como marca o poder de beneficiar todas as criaturas. Ele dá concretude ao projeto social divino, de acordo com o modelo celestial contido na planta do Supremo Arquiteto do Universo.
Quando o Apóstolo João mede com uma cana o santuário, isto é, a Catedral da Humanidade, a qual está inacabada (pois o Paraíso ainda não está pronto), está avaliando, de acordo com o modelo cósmico, o quanto a obra já avançou através da história: Foi-me dado um caniço semelhante a uma vara, e também foi dito: Dispõe-te, e mede o Santuário de Deus, o seu altar, e os que nele adoram... (Apocalipse 11: 1)
Isto é similar ao que faz o mestre de obras quando sai medindo as estruturas do Templo em construção, a fim de verificar se suas medidas estão de acordo com as requeridas pela forma desejada, isto é, pelo modelo na planta do arquiteto. O Templo de Deus é o lugar onde Ele habita: Ele, o Eterno, está construindo uma casa para sua morada .
O trabalho, com efeito, tem que fazer sentido, deve ser racional, vale dizer, deve ser endereçado ao bem comum, entendendo que a felicidade humana não está no trabalho, mas, como temos visto, na busca da verdade, no estudo, na virtude e na caridade. Não pode ser cego e maquinal, no qual a pessoa é forçada a trabalhar em qualquer coisa (mesmo contra a sua natureza, o que constitui uma agressão ao homem) em troca de um pão ou de uma papa.
A marca de nossa sociedade materialista e consumista, é o desperdício. Mas o pior desperdício é o de potencial humano. O trabalho racional é criativo, e desperta o desenvolvimento de todas as habilidades latentes do homem: o homem demiúrgico é o homem integral.
Quantas vidas humanas estão sendo jogadas fora em trabalho repetitivo e inútil (e, às vezes, até perigoso), tanto para elas como para a sociedade como um todo, contra a vontade delas, movidas que estão pela ânsia de encherem seus estômagos. Isto não é civilização. É desse jeito que milhões de seres humanos vivem como animais fazendo o que odeiam e desperdiçando sua juventude e energia vital.
O trabalho inútil e sem perspectiva, ou contrário à vocação de cada um e às finalidades da vida, é escravidão e deve ser combatido como tal, de acordo com a Declaração Universal do Direitos do Homem. O Paraíso Terrestre também é construído pela aplicação das Leis que regem a civilização social.
Se este Paraíso Terrestre tem sido construído pelo Eterno com a intensa colaboração do homem, e se é certo que a Ciência e a Tecnologia têm um papel decisivo na ampliação do raio de ação do trabalho criativo humano (sendo elas próprias frutos da criatividade humana), então, por que as conquistas nesses campos também conduziram à construção de instrumentos de destruição, como, por exemplo, a bomba de hidrogênio?
Qualquer Ciência ou Tecnologia pode ser tanto um instrumento de vida e de superação dos fatalismos, como de morte. Para que ela se torne um meio potencial de se construir um mundo melhor, o ódio que há no coração do homem deve ser convertido em amor. Há que se haver uma reforma interior no homem, tal como preconizamos no terceiro capítulo deste livro.
Todo progresso de ordem moral que não é acompanhado do equivalente de ordem intelectual, tem gerado o sentimentalismo e o obscurantismo. Por outro lado, o avanço intelectual (como o que temos testemunhado no campo da Ciência, hodiernamente) sem a devida elevação moral e espiritual tem engendrado a crueldade. A solução está na reconciliação dos domínios da ciência (que tem tutelado o progresso intelectual) e da fé (que é o espaço da elevação moral). Mas esta reconciliação não pode ser artificial; deve ser uma conseqüência natural do progresso de ambas e da maturidade intelectual e espiritual da humanidade. O problema não está nem na ciência, nem na tecnologia, mas no ódio e na ignorância, que ainda existem no coração do homem.

A CONDIÇÃO TRÁGICA

O Batismo é uma representação do movimento universal de morte e renascimento, destruição e renovação, presente em todos os planos de manifestação da esfera sensível. É inerente a tudo que está sujeito à geração, procriação, corrupção e regeneração.
Este movimento de morte e regeneração pode ser observado, por exemplo, a nível celular (as células mortas estão a todo instante sendo substituídas por novas), assim como no circuito sazonal: no inverno, a terra se afasta do sol e as coisas se passam como se tudo morresse; na primavera, por seu turno, como se tudo fosse chamado de volta à vida pela aproximação do sol. Já no verão, a vida chega ao seu apogeu, e as árvores portam frutos. No outono, por fim, parece que tudo declina para morrer de novo no próximo inverno, e por aí vai, até que o mundo seja de novo destruído pelo Eterno, e sejam elevados pela glorificação de Deus aqueles que ocupam a terra. Toda o planeta cessará a sua obra, instalando-se em seu lugar uma natureza celeste e eterna.
É o calor do sol que traz de volta à vida todas as coisas na primavera, e é a isso, creio, que está relacionado um antigo axioma: Igne natura renovatur integra (A natureza é integralmente renovada pelo fogo).
Da mesma forma que uma árvore perde suas folhagens no outono, para reverdecerem na primavera e, assim, uma folhagem se vai a cada outono e outra vem a cada primavera, na história humana, uma geração se vai e outra vem, sendo isto a condição trágica do homem, a saber, a de não se completarem os seus dias sobre a terra: a condição mortal.
A condição trágica está muito bem traduzida nas palavras de Shalom Anski: “O homem nasce para uma vida longa e plena, e se ele morre antes de seu termo, que acontece com a vida não vivida? Para onde vão suas alegrias e dores. Os pensamentos que não teve tempo de contemplar, os atos que não cumpriu?” (O Dibuk, de Shalom Anski.)
A imortalidade é a mais nobre aspiração do ser humano. Entretanto, o que entendemos por imortalidade não diz respeito, apenas, à vida depois da morte, mas, também, à possibilidade de o homem completar os seus dias sobre a terra em boa velhice, numa existência produtiva e concluída numa boa velhice e numa morte tranqüila. Isto é imortalidade.
A imortalidade é também entendida em seu sentido espiritual, como ressurreição, isto é, a ditosa existência depois da morte em um corpo celestial e glorificado.
Há duas figuras da tradição cristã (uma delas já evocada em nosso capítulo sobre a gnose) bastante significativas sobre isto, quais sejam, as da rosa e da cruz. A rosa é, num primeiro momento, símbolo da vida, do amor e da ressurreição. Num sentido mais profundo, é a alma humana em evolução. Sempre é uma rosa vermelha parcialmente aberta, nunca um botão ou uma rosa plenamente aberta. A cor vermelha é figura da consciência espiritual ou divina.
A cruz alude às tribulações terrenas. Significa o corpo do homem com os braços estendidos, representando as aflições do corpo físico, as quais estão no papel de provas. São as misérias, as mazelas e os sofrimentos da existência terrena que se abatem sobre a entidade humana como terríveis provações. Todo este processo, no entanto, é um aprendizado, uma iniciação.
A representação na qual vemos a rosa colocada na cruz, por conseguinte, tipifica a alma do homem e a consciência espiritual e divina evoluindo por meio das provações e sofrimentos da vida terrena. É desta forma que o espírito humano é liberto. A alma se desprende e se liberta das limitações materiais representadas pela cruz. A rosa, com efeito, indicaria a parcela espiritual e divina do homem; ao passo que, a cruz, a animal e terrena.
A rosa e a cruz podem ainda ser contempladas por um outro ângulo: a rosa teria a tríplice conotação de amor, segredo e fragrância, e a cruz, por seu turno, comportaria também um tríplice significado de auto- sacrifício, imortalidade e santidade. Tomados estes dois emblemas em conjunto, sinalizariam o amor do auto-sacrifício, o segredo da imortalidade e a doce fragrância de uma vida santa.
A imortalidade em seu sentido físico, enquanto longevidade, só pode ser alcançada com o progresso da civilização, da cultura, da ciência e da verdadeira religião. A imortalidade em seu sentido espiritual, no sentido da imortalidade da alma, por seu turno, depende do patamar de nosso entendimento e vontade e de para onde dirigimos nosso amor: se para o bem (para a vida), ou para o mal (para a perdição).
A imortalidade é, também, imortalidade da inteligência coletiva. Há um movimento perpétuo de composição e decomposição das coisas no mundo físico, os quais podem resultar em fenômenos de vida, ou de morte. Se os elementos e agentes da natureza operam de maneira adequada, dá-se uma forma de vida; se sua operação é aumentada, debilitada ou suprimida, por outro lado, surge uma nova forma de vida pela supressão da anterior.
O final de todo este processo será o estado natural da Criação, a qual está sujeita, enquanto obra de Deus, a manifestações imutáveis que a aperfeiçoam de modo infindável no mundo orgânico. E quanto à inteligência, que ocorre com ela?
Também a inteligência, tanto individual, quanto coletiva, se perpetua, cresce, evolui e se aperfeiçoa. A presente geração utiliza as descobertas da anterior, colocando-as à prova e incrementando-as, a fim de que as gerações vindouras possam, em virtude da lei universal do progresso, frutificar ao seu tempo.
O verdadeiro sentido da metempsicose é o da imortalidade da vida e da idéia, em uma perfectibilidade indefinida. A humanidade é como um germe que se abre, saindo da noite dos tempos, da barbárie, da ignorância. Queremos dizer que, além da inteligência individual de cada um de nós, há também a comum solidária, resultante das inteligências individuais. Seria isto como se toda a humanidade, desde seus primórdio, até os dias de hoje (e a do amanhã, talvez), fosse um só homem, cuja inteligência, está em evolução, e cuja consciência, ainda está despertando, gradativamente, como o desabrochar de uma rosa.
O sofrimento da doença, da morte dolorosa e precoce, e da decrepitude, existem porque o homem tem desconhecido as leis da natureza e, portanto, tem se movido contra elas. O preço da ignorância tem sido muito caro para as diversas gerações.
A morte existe no mundo para compelir o homem a buscar o segredo da imortalidade. O sofrimento ocorre porque estamos quebrando as leis do universo; porque, por comodismo e cegueira, não estamos indagando acerca da finalidade da existência humana sobre a terra, e porque estamos buscando apenas o prazer e o gozo e negligenciando a inteligência, a indagação e a ciência.
Se um motorista não conhece o modo de freiar o veículo que está conduzindo, estará ao sabor da inércia, até se quebrar em algum muro. De modo similar, enquanto desconhecermos as leis da natureza, estaremos nos quebrando nelas. No entanto, elas só existem para colaborar com a vida.
Isto pode ser particularmente observado no exemplo dos Estados Unidos. Eles são o país mais castigado por tornados e furacões no mundo. Muita tragédia poderia ser evitada se se investisse em pesquisa sobre este fenômeno o mesmo tanto que se investe em tecnologia bélica. Quantos furacões e tornados serão ainda necessários para eles acordarem?
A morte era para ser apenas uma viagem, uma transição. A condição trágica, a dor e o sofrimento, são o livro da natureza, juntamente com o pergaminho de nossa alma, testemunhando contra nosso modo de proceder e pensar. Eles estão clamando: Há algo de errado.
O sofrimento é expiação. Mas, que é expiação? É um aumento de trabalho: por não ter feito o que devia ontem, devo fazê-lo dobrado hoje. Não estamos querendo dizer que sofrer é bom, pois isto seria masoquismo, mas que é preciso entender o porquê do sofrimento para escapar dele.
Nós estamos no mundo para aprender. O trabalho do homem é o de achar a verdade e comunicá-la ao mundo. Uns aprendem pelo amor, e outros, pela dor. Este é o sentido da via crucis, que nada mais é que uma figura da condição trágica.
O sentido, portanto, em que se diz que o sofrimento refina a natureza humana, tal como se lê nas Escrituras é o de que ele gera poder e conhecimento (há mesmo quem diga que o homem só pensa forçado). A condição trágica e os reveses da vida forçam-nos a procurar soluções verdadeiras para problemas reais.
Esta dinâmica obriga-nos a sair de nosso sono letárgico de ilusões (as quais não nos serão úteis em situações extremas) e sermos honestos conosco. Ela revela-nos o que realmente importa na vida, mostrando-nos que o apego às coisas materiais e o amor de si de nada valem.
Este despertar do sono letárgico do ilusão para passarmos a enxergar a realidade, é uma das facetas da gnose. Alguém, todavia, poderia indagar: por que Deus não criou o homem de uma forma que estivesse pronto e acabado em um pescar de olhos? Para Deus, todo este processo é um piscar de olhos; a limitação é nossa, seres finitos que somos. O Senhor, nos tempos eternos, colocou na balança o ínfimo tempo de sofrimento na terra e a eternidade de glória, e viu que valia a pena.
Com efeito, condição da humanidade hoje tem sido a de morrer prematuramente. Haveria necessidade de que uma geração morra para que uma nova nasça? Pelo visto, na atual configuração universal, podemos dizer (embora sem muita convicção) que sim, pois o homem tem sido tão egoísta que precisa ser detido pela morte, a fim de que novas gerações tenham o direito de serem trazidas à existência.
O que acontece com os anos perdidos de nossa existência? São oferecidos em holocausto a Deus no altar dos sacrifícios do templo do nosso coração. É, muitas das vezes, o sofrimento que nos livra da distração produzida pelos bens materiais e pela aparência enganosa deste mundo.
Só se pode operar esta transmutação numa nova natureza, vale dizer, numa nova geração, se a anterior for destruída. A isto se dá o nome, como vimos no primeiro capítulo, de regeneração. Não há ressurreição sem que haja morte, mas é possível que isto ocorra ainda em vida, pois nem todos passaremos pela morte.
Com efeito, a Via Crucis é uma figura da peregrinação miserável do homem pela terra dos viventes. É diante da tragédia que o homem toma consciência de seus limites. Mas a rosa também indica o potencial humano, suas virtudes, habilidades e talentos, os quais precisam ser libertos para que se desenvolvam; são tal qual nossa rosa, que precisa desabrochar. Não existe ser humano pronto, mas é preciso ter Deus no coração para se entender isto.
Toda vez que alguma faculdade latente é desperta prematuramente, produz-se um abortamento. O nosso modelo ímpio de civilização não tem paciência para aguardar o tempo das coisas porque a cobiça é irmã da pressa. Queremos que nosso próximo se emancipe logo, pois consideramo-lo um fardo. O desenvolvimento humano é lento; não é como o dos irracionais que, logo que nascem, já saem andando. Mas para entender isto é preciso ter amor no coração.
Quantos homens de talento tiveram que abandonar os seus estudos por falta de apoio, tornando-se presa fácil de um modelo social que, para somar com as terríveis misérias humanas do nascimento, do envelhecimento, da doença e da morte, ainda submete seres humanos criados à imagem de Deus à condição de terem que trabalhar como animais de carga, contra a sua vontade, em jornadas de trabalho desumanas, em troca de um pão que o diabo amassou. E isto não em trabalhos que beneficiem a sociedade como um todo, mas apenas que satisfazem o capricho e a cobiça bestial de uns poucos.
Condena-se o aborto, mas o que se entende por isto é apenas uma de suas modalidades: o assassinato de um feto. Muitas vidas, no entanto, são interrompidas, não pela morte física, mas, por tornarem-se como rosas que se secam antes de desabrocharem. Quantos talentos, quantas habilidades, quanto potencial é perdido, e quantos sonhos são interrompidos! Isto é um abortamento. Mas para se entender isto, é necessário se ter o coração majestoso como o do Ancião de dias.
As pessoas têm aprendido a serem mais humanas pela dor. É em meio às tragédias que, muitas das vezes, irrompe a solidariedade. As bestas não exercem misericórdia e solidariedade; elas possuem, sim, instinto gregário, mas isto é muito diferente. É na calamidade que brotam no coração humano a temperança, a castidade, a fidelidade, a abnegação, a eqüidade e a justiça, tal como uma rosa que floresce no jardim da alma. A propósito, o desabrochar de nossa rosa também significa o florescimento do amor no coração humano.
As bestas irracionais, com efeito, não podem exercer misericórdia, amor, compaixão, que são atributos de Deus: só um ser divino e racional o pode, e eis aí o perfil do homem-deus. Afinal, quanto vale um homem que nunca sofreu? O sofrimento seria, então, como a irritação de um corpo estranho no interior de uma ostra, que a faz produzir uma pérola. As pérolas da compaixão, da misericórdia e do amor, não têm preço.
Com relação ao amor, há três tipos de homens: o que age de conformidade com a verdade, a realidade, a razão e a justiça, é o homem moral; o que, pela justiça, sacrifica seus desejos e vontades, é o homem de honra, e o que incarna a bondade da providência, fazendo mais que seu dever e sacrificando seu próprio direito, é o herói. O significado do auto-sacrifício é este mesmo, a saber, o de espontâneo e benigno abandono do direito, numa espécie de loucura do amor.
O ser humano é para o Eterno Deus como que uma Rosa em Seu Jardim. É o desejo da Rosa ser regada pelo mais profundo córrego, que é a nascente de todos os rios espirituais. O homem é chamado também lírio dos vales por ser encontrado nos lugares mais profundos, onde há água em abundância.
Acerca da Rosa de Saron, eis o que lemos no Zohar (O Livro do Esplendor): No princípio, ela é uma rosa de pétalas amareladas e depois se converte em um lírio de duas cores, branco e vermelho, um lírio de seis pétalas, mudando de um matiz ao outro. É chamada “rosa” quando está prestes a encontrar-se com o Rei e, já que estão juntos, passa a ser chamada de lírio.
A rosa é, também, o triunfo da vida, cujo impulso se recusa a desistir, tal como podemos observar numa roseira brotando num rochedo maciço. O desejo do Eterno é o de que a humanidade floresça em toda a sua potencialidade.

O MOVIMENTO UNIVERSAL DAS COISAS

Vimos que o movimento universal das coisas em seu devir pode ser observado no ciclo das estações do ano, no ciclo diário (manhã, meio-dia, tarde e meia noite), no ciclo vital humano, nas fases do crescimento dos vegetais. Há, no entanto, dois casos particulares do devir eclosivo, ou vegetativo (o qual manifesta-se em fases dentro de um ciclo, as quais podem ter um circuito ou vários num eterno retorno ao início, dando origem a um novo circuito, mas que nunca será idêntico ao anterior, pois todas as coisas estão sendo aperfeiçoadas neste movimento), que gostaríamos de analisar mais detidamente.
São eles o que se manifesta na metamorfose no reino animal e os eventos históricos que marcam a evolução do homem sobre a terra. A razão do tratamento particularizado dispensado a estes casos, justifica-se porque há uma correspondência, uma analogia entre ambos, em que o primeiro elucida o segundo, a saber, o que concerne à evolução humana, assunto sobre o qual não poderíamos deixar de refletir, face ao objetivo deste trabalho.
O problema do mal, digo, o da compreensão de seu propósito, constitui-se num dos maiores desafios ao homem de fé. A existência do mal pode ser, em parte, explicada pela condição atual do mundo, marcada pelo inacabamento e pela incompletude. Todavia, ainda é difícil para nós, hoje, visualizarmos todo o alcance da complexidade deste problema.
Se encarássemos o mal de maneira propositalmente inexata enquanto desordem, então seria mais fácil tentar um paralelo entre o caos social e planetário com que convivemos, e o caos da informidade da argila enquanto está sendo trabalhada pelo oleiro, numa alusão ao trecho do livro de Jeremias já citado no capítulo anterior.
Sabemos que no princípio a terra era sem forma e vazia. De fato, enquanto o trabalho do oleiro está inacabado, a forma final que está na mente do artífice ainda não está definida no barro. Neste ponto, se há de fato um paralelo entre o trabalho do oleiro e a obra criadora divina, alguém poderia indagar: Por que então Deus não imprime no barro caótico a forma final que pretende comunicar-lhe num piscar de olhos?
Compreendamos: para Deus todo este processo é um piscar de olhos. Somente para nós, seres finitos, parece ser demorado. Isto não é uma limitação de Deus, mas, sim, nossa.
Há duas forças que atuam no universo em sua atual conjuntura, quais sejam, as potências da perdição e da ignorância (cujo emblema, entre outros, é o norte, a banda da meia noite, das densas trevas, onde o sol entra em seu nadir), e as da verdade, do esclarecimento e da vida (tipificada na Bíblia umas vezes pelo sul, o lado ensolarado do meio dia, isto é, banda do zênite, outras vezes, pelo oriente, o lado onde o sol nasce, querendo simbolizar a eclosão da luz da razão e da verdade no horizonte da história.)
O embate entre estas duas forças pode ser observado tanto na história da humanidade quanto dentro de nós próprios. Este último caso é mencionado na Escritura, acerca do conflito entre o velho homem e o novo homem: ...quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito de vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade. (Efésios 4: 22-24.) Há uma correspondência entre o que ocorre na dimensão coletiva, isto é, histórica, e o que ocorre em escala individual, isto é, psíquica.
Existe também um paralelo entre o ciclo vital (ou evolucionário) na esfera ontogenética e na filogenética, sobre o que já falamos no capítulo anterior. Com efeito, os estágios da evolução de um indivíduo humano reproduzem os do ciclo evolucionário da humanidade como um todo, o qual possui, como também já vimos, quatro estágios básicos. Dito de outro modo, possui ele quatro metamorfoses. Esta evolução é um processo natural de desenvolvimento e maturação, não tendo qualquer relação com a famigerada idéia darwiniana de uma “evolução” por seleção natural.
O texto de Efésios citado há pouco falou-nos acerca do despojar-se do velho homem, e do revestir-se do novo homem, e esta mudança é similar à uma metamorfose, e está no cerne do enigma do desenvolvimento humano. É a partir daí que poderemos traçar uma série curiosa de analogias.
No ciclo vital (ou evolucionário) de alguns insetos, há quatro estágios (ou metamorfoses): larva, pupa, inseto alado e sua morte após a procriação. De modo similar, a história da humanidade, segundo o livro de Daniel, divide-se em quatro metamorfoses, ou quatro impérios (não impérios no sentido convencional da história profana), os quais são representados pelos quatro animais da visão de Daniel, a qual passamos a transcrever:

Falou Daniel e disse: Eu estava olhando, durante a minha visão da noite, e eis que os quatro ventos do céu agitavam o Grande Mar. Quatro animais, grandes, diferentes uns dos outros, subiam do mar. O primeiro era como leão, e tinha asas de águia; enquanto eu olhava, foram-lhe arrancadas as asas, foi levantado da terra, e posto em dois pés como homem; e lhe foi dada mente de homem. Continuei olhando, e eis aqui o segundo animal, semelhante a um urso, o qual se levantou sobre um dos seus lados; na boca, entre os dentes, trazia três costelas; e lhe diziam: levanta-te, devora muita carne. Depois disto, continuei olhando, e eis aqui outro, semelhante a um leopardo, e tinha nas costas quatro asas de ave; e tinha também este animal quatro cabeças, e foi-lhe dado domínio. Depois disto, eu continuava olhando nas visões da noite, e eis aqui o quarto animal, terrível, espantoso e sobremodo forte, o qual tinha grandes dentes de ferro; ele devorava e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobejava; era diferente de todos os animais que apareceram antes dele, e tinha dez chifres. (...) Continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e Ancião de dias se assentou; sua veste era branca como a neve, e os cabelos da cabeça como a pura lã; seu trono era chamas de fogo, cujas rodas eram de fogo ardente. (Daniel 7: 2-9.)

A visão do profeta Daniel corresponde ao movimento universal das coisas em todos os planos de manifestação da existência. Os quatro impérios representam o equilíbrio e o antagonismo, assim como a evolução cíclica da forma, tanto na natureza como na vida humana e social. Corresponde à metamorfose no reino animal (que é a realização da esfinge, o que explicaremos melhor mais adiante), ao romance da rosa no reino vegetal, e à formação ouro na esfera mineral.
O leão alude aos tempos primitivos, marcados pela guerra e pelo nomadismo. Suas asas são cortadas, sendo isto uma referência ao momento em que a humanidade se fixa. O urso tipifica os grandes impérios da força brutal O leopardo de quatro cabeças as repúblicas e o desmembramento dos estados. O quarto e último animal é um emblema do feudalismo financeiro e industrial.
Na seqüência, o texto nos relata que o quarto animal foi morto e toda a autoridade foi dada ao Ancião de dias (cf. Daniel 7: 11-13). Muitos entendem, com razão, este Ancião como sendo nosso Senhor Jesus Cristo, mas cremos também significar a maturidade humana e a perfeita varonilidade: o novo homem, do qual Jesus é a expressão mais perfeita (note que não destoamos, necessariamente, da interpretação anterior).
O que o texto focaliza é a evolução humana em sua transição da inconsciência para a consciência. Se entendermos consciência como conhecimento de si, isto é, o conhecimento de sua existência pela própria alma, o homem somente alcança este estado quando compreende finalidade para a qual existe.
Dissemos que os quatro impérios universais de Daniel simbolizam o movimento universal de todas as coisas, e que este movimento é observado no reino animal pela realização da esfinge, isto é, pelo fenômeno da metamorfose, mais visível entre os insetos. Há inclusive um gênero de insetos que recebe este nome (gênero Sphinx), representados por grandes mariposas que, enquanto lagartas, apresentam vivas cores e um corno, as quais não fazem casulo.
A esfinge é, originalmente, um animal híbrido mitológico (similar a muitos monstros fabulosos que figuram também na Bíblia), que foi representado entre os egípcios como uma cabeça de homem saindo dum corpo de touro com garras de leão, apresentando duas asas de águia sobre os flancos. Sacerdotes imemoriais a explicavam como um símbolo da grande evolução do homem, na qual se processa a sua emersão da natureza animal.
No Rei Édipo, de Sófocles, Édipo é confrontado pela Esfinge nas cercanias da cidade de Tebas. Este terrível monstro, que tinha peito de mulher, corpo de leão, garras e asas de águia, já tinha devorado incontáveis tebanos que não decifravam seus enigmas. A Édipo a esfinge perguntou que animal andava de manhã sobre quatro pés, sobre dois durante o dia e sobre três pela noite. Édipo respondeu-lhe que era o homem, porque engatinhava na infância, andava ereto quanto adulto e apoiava-se num bordão quando velho. Dizendo isto, o monstro precipitou-se num despenhadeiro e morreu.
Diremos de maneira mais clara em que termos, em nosso entender, acontece esta evolução. Trata-se da passagem do reino das paixões sensuais rumo ao engrandecimento de suas faculdades mentais. Por paixões sensuais entendemos um universo amplo de coisas (não apenas o impulso sexual, que não é necessariamente ruim em si mesmo), tais como a ignorância, o ódio, o egoísmo, as ambições e tudo aquilo que nos prende à animalidade e ao materialismo pela ânsia desenfreada de gratificação dos sentidos.
Na visão de Daniel, o quarto animal devorava e fazia em pedaços, e é isto que o homem atualmente vem fazendo aos seus semelhantes e ao seu planeta: tem maltratado o seu próximo tratando-o como um meio, e tem destruído seu próprio ambiente poluindo o ar, os rios, os mares, destruindo florestas virgens e paradisíacas, deixando um rastro de destruição. Em síntese, podemos definir este complexo sistema que denominamos paixões sensuais como sendo o nosso ego falso, aquilo que aproxima o homem das bestas irracionais.
O homem engrandece suas faculdades mentais quando, pela descoberta do domínio do dever, tendo o homem alcançado a compreensão clara de suas relações necessárias com o universo e com seus semelhantes, voluntariamente faz dessas relações o propósito de seu destino. Esta é a consciência amadurecida, crística, do Ancião de dias. O homem é portanto híbrido, uma espécie de deus num animal. E é neste contexto que a híbrida Esfinge é um emblema deste dilaceramento inerente à atual condição humana.
Há um momento do desenvolvimento da lagarta, que é quando está metamorfoseando-se em inseto adulto, em que se observa nela uma tensão dialética entre o ser lagarta e o ser inseto alado: o penoso esforço da criatura para libertar-se de seu casulo. Isto é similar ao processo de regeneração humana de libertar-se do casulo de sua velha natureza. É de fato admirável a afinidade que há entre a revelação natural e a revelação escrita. A besta morrerá, e o Ancião ressuscitará.
Embora o poder da ressurreição já esteja sendo liberado em nossas vidas, ainda sentimos o casulo (o bagaço) de nossa velha natureza oferecendo resistência à grande metamorfose em processo. A lagarta torna-se inseto no momento em que a condição de ser lagarta está em sua maturação máxima e, portanto, de propiciar o salto quântico. Tudo se passa também como se aquilo que já tivesse sido bom num estágio anterior do ciclo vital, passasse a ser um obstáculo para o próximo: o casulo foi importante para a lagarta, mas para o inseto que tenta livrar-se dele é angústia. Todavia, o esforço do inseto para libertar-se de seu casulo fortalece suas asas e habilita-o a voar. Isto ocorre, no caso da evolução humana, tanto na dimensão individual (ou psíquica), quanto coletiva (ou social).
Isto quer dizer que estas duas forças, a saber, a inclinação para o bem e a inclinação para o mal, estão, ambas em maturação no mundo. O joio cresce junto com o trigo, tal como no texto que se segue: E ele lhes disse: um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: queres pois que vamos arrancá-lo? Porém ele lhes disse: Não; para que ao colher o joio não arranqueis o trigo com ele. (Mateus 13: 28-29.) O mal, além de desordem e casulo (casca morta), é também praga.
O mal é tensão. Tensão entre a informidade e a forma; entre a condição de lagarta e a de inseto alado; entre o novo e o velho homem; entre a incompletude do processo e sua conclusão. O movimento da história seria o da diferenciação e separação entre os filhos do Reino (a boa semente, ou o trigo na parábola de Jesus Cristo, que são os homens de boa vontade) e os filhos do maligno (a má semente, tipificada pelo joio): Deixai crescer ambos juntos até a ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas o trigo ajuntai-o ao meu celeiro. (Mateus 13: 28-30.) O trigo só pode ser separado do joio quando ambos estiverem maduros e prontos para a colheita.
Todavia, a forma atrai a matéria; a condição futura de inseto atrai a atual de lagarta (para que esta alcance aquela); a incompletude atrai a sua conclusão, isto é, a plenitude, e tudo isto com ânsia magnética, pois este é o mistério do amor, da atração universal, que faz girar a roda do devir, sendo este o grande arcano da natureza.
Tudo isto está insinuado nos textos dos profetas: Agora se congregam muitas nações contra ti, que dizem: seja profanada, e os nossos olhos verão seus desejos sobre Sião. Mas não sabem os pensamentos do Senhor, nem entendem o seu conselho: porque as ajuntou como gavelas numa eira, Levanta-te, e trilha, ó filha de Sião; porque eu farei de ferro a tua ponta, e de cobre as tuas unhas, e esmiuçarás a muitos povos, e o seu ganho será consagrado ao Senhor de toda a terra. (Miquéias 4: 11-13.)
A hostilidade entre a boa e a má semente existe, existiu e existirá, e alcançará o seu ponto de culminância na consumação dos séculos, na Era Messiânica, que já começou.
Já discutimos no capítulo anterior que as transmutações históricas não têm compromisso cronológico, isto é, linear, podendo todas elas estarem coexistindo no espaço e no tempo. O fim deste processo é a plenitude, para a qual tende o ser. No entanto, é inevitável que esta oposição desencadeie num dado momento, uma guerra: Vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e verdadeiro, e julga e peleja com justiça (...); e seguiam-no os exércitos que há no céu, montando cavalos brancos, com vestiduras de linho finíssimo, branco e puro(...). E vi a besta e os reis da terra, com os seus exércitos, congregados para pelejarem contra aquele que estava montado no cavalo, e contra seu exército. (Apocalipse 19: 11-19.)
Esta oposição que há entre os exércitos do cavaleiro Fiel e o da besta, entre o verbo e a ignorância, entre a virtude varonil e o vício bestial, entre a boa vontade entre os homens e o egoísmo, entre a boa e a má semente culminará, com efeito, numa grande batalha mundial. Isto nos trará de volta os tempos heróicos?
Esta batalha será muito mais de Deus que de qualquer outro: Portanto esperai-me a mim, diz o Senhor, no dia em que eu me levantar para o despojo; porque o meu juízo é ajuntar as nações e congregar os reinos, para sobre eles derramar a minha indignação, e todo o ardor de minha ira; porque toda esta terra será consumida pelo fogo do meu zelo. (Sofonias 3: 8.)
Há uma distinção paulatina que vem ocorrendo no curso da história entre estas duas forças, distinção esta que evolui gradativamente de um raio de ação psíquico ou individual, para outro de envergadura social e histórica. Os eventos de amplitude local ou regional (sendo eles mesmos pequenas mônadas históricas) também se agigantam, tomando proporções cada vez mais universais.
Em suma, através das provações por que passam os justos, sua estrutura vem sendo refinada como o ouro em uma refinaria; como a constituição da argila que, pela manipulação do artífice, vem sendo preparada para receber sua forma final. O sofrimento a que os ímpios submetem os justos é um pouco como um cinzel, com o qual Deus vem esculpindo um novo homem. Eis o antagonismo dialético entre a causa material e a causa formal.
É um pouco também como a irritação de um corpo estranho no interior de uma ostra: faz ela produzir uma pérola. Assim acontece também conosco: estimula e liberta o que há de mais divino em nós, mesmo que, num primeiro momento, só haja desespero.Em tudo isto podemos contemplar a sabedoria e o amor de Deus: o mal teve início e terá fim um dia. A existência do mal está encerrada num espaço de tempo desprezível em comparação com a eternidade. Quando Deus colocou estas duas coisas na balança antes da fundação do mundo, a saber, a existência do mal num espaço ínfimo de tempo e a vida eterna para os que a escolhem, concluiu que valeria a pena.

O POÇO DAS ÁGUAS VIVAS

A Civilização Ocidental vem cultivando, desde os tempos da Renascença (mas principalmente a partir do Iluminismo) uma atitude radicalmente crítica diante da tradição. Questiona-se qualquer autoridade que não seja a razão mesma (o que não quer dizer que a razão não tenha mesmo autoridade). Embora isso se explique em virtude dos excessos cometidos pelo autoritarismo medieval, esta conduta tem conduzido ao desprezo e `a desconfiança face a tudo aquilo que possa ser antigo. O ideal iluminista do livre exame (o qual preconiza o livre exercício crítico da razão) foi um grande avanço numa época em que o Papa era Deus na terra, mas trouxe muitas distorções também.
A mais perversa de todas as distorções é a crença segundo a qual tudo que é moderno é bom, e tudo que é antigo é ultrapassado, a qual se funda num evolucionismo cultural preconceituoso, racista e falso. O homem da Antigüidade seria uma espécie de quadrúpede bovinamente perplexo, ao passo que a vida inteligente sobre a terra começaria apenas com o homem contemporâneo, mais especificamente, com o homem europeu contemporâneo. Tal conduta poderia ser considerada como tipicamente etnocêntrica, do ponto de vista antropológico.
Todavia, os Escritos nos ensinam que, num tempo muito remoto da história da Humanidade, houve uma idade de ouro, cantada pelos poetas, uma época santa e feliz, na qual a palavra escrita era desconhecida, e na qual os homens tinham uma comunicação direta com os anjos. E mesmo nas eras da prata e do bronze, então não mais tão felizes, ainda se conservou uma certa inocência entre os homens. Nestes tempos já havia a escrita, mas muito conhecimento se perdeu destes tempos abençoados.
Lemos em Gênesis 26, versos de 18 a 22: E tornou Isaque, e cavou os poços de água que cavaram nos dias de Abraão seu pai, e que os filisteus taparam depois da morte de Abraão, e chamou-os pelos nomes que os chamara seu pai Abraão. Cavaram pois os servos de Isaque naquele vale, e acharam um poço de águas vivas. E os pastores de Gerar porfiaram com os pastores de Isaque, dizendo: Esta água é nossa. Por isso chamou o nome daquele poço Eseque, porque contenderam com ele. Então cavaram outro poço, e também porfiaram sobre ele: por isso chamou seu nome Sitna. E partiu dali, e cavou outro poço, e não porfiaram sobre ele, por isso chamou o seu nome Reobote, e disse: Porque agora nos alargou o Senhor, e crescemos nesta terra.
O sentido interno desta passagem mostra-nos coisas que nos impressionam pela profundidade e beleza de sua revelação. Sobre o verso 18, “E tornou Isaque e cavou os poços de água que cavaram nos dias de Abraão seu pai”, isto significa que o Senhor abriu aquelas verdades que estavam com os antigos; “e que os filisteus taparam depois da morte de seu pai Abraão”, isto significa que aqueles que estavam nos meros conhecimentos de memória deturparam e torceram aquelas verdades; “e chamou-os pelos nomes”, significa a qualidade delas; “que os chamara seu pai Abraão” denota representativos de verdade.
O sentido espiritual da Palavra possui conhecimentos que se perderam há muito, mas que eram bem conhecidos dos homens dos tempos antigos, os quais eram espirituais, e sabiam acerca de muitos mistérios do universo. Perscrutar estas verdades na Palavra seria similar a cavar um poço, o qual representa o literal da Palavra, para se encontrar água, a qual representaria estas verdades espirituais contidas nos internos da Palavra. Note que o texto também diz que o poço foi entulhado com terra, isto é, com coisas terrenas e mundanas. É isso que a Igreja de hoje faz, interpretando a Bíblia literalmente apenas, e recorrendo a Freud e Marx, à psicologia moderna, ao criticismo profano e secular (isto é, coisas muito terrenas) para a sua interpretação.
E sobre os versos de 19 a 21, “Cavaram pois os servos de Isaque naquele vale, e acharam um poço de águas vivas”, isto significa o sentido literal da Palavra no qual está o sentido interno; “E os pastores de Gerar porfiaram com os pastores de Isaque”, significa que os que ensinam a Palavra não viram um tal sentido lá, porque os sentidos são opostos; “dizendo: Esta água é nossa”, significa que eles estavam na verdade; “Por isso chamou o nome daquele poço Eseque, porque contenderam com ele”, denota a recusa destes princípios tanto quanto de outros; “Então cavaram outro poço, e também porfiaram sobre ele”, significa o sentido interno da Palavra, sobre se ele existe; “por isso chamou seu nome Sitna”, expressa sua qualidade.
Note que aí se desenvolve uma polêmica, a qual representa a celeuma que existe hoje quando alguém houve falar que existe um tal sentido espiritual na Palavra. Isto se deve em grande parte a que não há, em alguns casos, nada no literal que insinue o seu sentido interno. Mas a principal razão para isto está em que o homem da igreja de hoje é excessivamente sensual, e não pode ver nada além do histórico e temporal.
No tocante ao verso 22, “E partiu dali”, significa que desceram para as coisas de um grau mais baixo; “e cavou outro poço, e não porfiaram sobre ele”: isso significa o sentido literal da Palavra; “por isso chamou seu nome Reobote”, denota sua conseqüente qualidade enquanto verdade; “Porque agora nos alargou o Senhor”, significa a multiplicação sucessiva da verdade; “e crescemos nesta terra”, isto significa a sucessiva multiplicação do bem.
Isto quer dizer que as verdades Divinas são tais que elas não poderiam ser compreendidas por algum anjo, ou por algum homem, senão por meio de aparências de verdade, as quais são acomodações da Divina e infinita verdade à compreensão dos anjos e dos homens. A conjunção com o Senhor acontece através desses veros naqueles que pertencem ao Seu reino, tanto no céu como nas terras.
Com os anjos, esta conjunção se dá através de aparências de verdade de um grau elevado (isto é, pelas aparências de verdade do sentido interno da Palavra); com os homens, por meio das aparências de verdade em um mais baixo grau (vale dizer, pelas aparências de verdade do sentido externo da Palavra). É só por meio destas aparências que e verdade e o bem podem ser multiplicados na igreja.

O Tempo e a Eternidade

O mundo está inacabado, na medida em que a atividade criadora divina ainda não cessou. Mas, como? Não está escrito: No princípio criou Deus os céus e a terra (Gênesis 1:1), estando o verbo “criar” conjugado no passado: “criou”?
Que se quer dizer quando declaramos que Deus ainda está criando? O mundo já não está concluído? No sétimo dia Deus não descansou? Não devemos nos espantar com a afirmação de que Deus ainda está criando o mundo. Observemos o que é dito nesse texto: Porque nós, os que temos crido, entramos no repouso, tal como disse: Assim jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso; embora suas obras estivessem acabadas desde antes da fundação do mundo. Porque em certo lugar disse assim do dia sétimo: E repousou Deus de todas as suas obras no sétimo dia. (...) Portanto resta ainda um repouso para o povo de Deus.” (Hebreus 4: 3-9)
O verbo “criar” aparece flexionado no passado em Gênesis 1: 1 porque, como diz a Epístola aos Hebreus, todas as coisas já estavam acabadas “desde a fundação do mundo”, possivelmente, como uma espécie de razão seminal, na mente divina. Mas o pensar e o agir, em Deus, são a mesma coisa.
Muitas das dificuldades que encontramos na tentativa de interpretar os textos da Bíblia devem-se ao fato, ao que nos parece, de não percebermos que a Escritura foi escrita do ponto de vista divino, não do humano. A ótica espiritual não contempla as coisas de modo particular, mas, sim, cósmico; não pela perspectiva temporal, mas, da eternidade, onde a narração dos eventos é um discurso orientado pela posição deles no quadro geral da obra criadora e redentora de Deus: o contrário do tempo (que para Deus não existe) é a eternidade. A ordem cronológica da narração é superada pela ordem lógica da dissertação.
Seria como se toda a história, desde a fundação do mundo, até a consumação dos séculos (passado, presente e futuro), estivesse posta diante de nós como uma cidade vista do alto de um monte: COMO SENDO UMA SÓ COISA. Uma tal declaração pode causar algum transtorno em nossa compreensão habitual das coisas, a saber, em nossa moldura do modo cronológico e linear de conceber o fluxo dos acontecimentos.
Para Deus não há passado, nem presente, nem futuro. À esta perspectiva de temporalidade chamaremos de tempo profético. Destaquemos os seus principais traços: a) fatos do passado, do presente e do futuro aparecendo como uma só coisa e num só tempo b) referência a coisas que não são como se já fossem; c) eventos do passado aparecendo como se fossem do futuro; d) a história particular como mônada da história universal. A noção de espaço também é subvertida, pois podemos observar acontecimentos de dimensão regional misturando-se com o que ocorre em escala planetária.
Lembro-me de uma conversa pessoal que tive, há algum tempo, com o saudoso teólogo e naturalista Djalma Silveira Belieny, de abençoada memória, na qual ele revelou-me uma chave muito importante para se penetrar no mistério das profecias, a qual encontramos numa passagem do livro de Apocalipse: Escreve as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de acontecer. (Apocalipse 1: 19) Isto quer dizer que as revelações do Apocalipse contêm elementos do passado, presente e futuro. O grande erro dos teólogos, segundo relatou Belieny (coisa que pude constatar por experiência própria) consiste em deslocar o cumprimento das profecias apenas para o futuro.
Tendo como pano de fundo esta perspectiva de temporalidade que chamamos de tempo profético, poderíamos indagar: a que pode ser comparado o devir histórico?
Encontramos nas Escrituras a passagem que se segue:

A Palavra do Senhor que veio a Jeremias, dizendo: Levanta-te, e desce a casa do oleiro, e lá te farei ouvir as minhas palavras. E desci à casa do oleiro, e eis que ele estava fazendo a sua obra sobre as rodas. Como o vaso, que ele fazia de barro, se quebrou na mão do oleiro, tornou a fazer dele outro vaso, conforme o que pareceu bem aos seus olhos fazer. Então veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? Diz o Senhor: eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel. No momento em que falar contra uma nação, e contra um reino para arrancar, e para derribar, e para destruir. Se a tal nação, contra a qual falar, se converter de sua maldade, também eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe. E no momento em que falar de uma gente e de um reino, para edificar e para plantar, se ela fizer o mal diante dos meus olhos , não dando ouvidos à minha voz, então me arrependerei que tinha dito lhe faria. (Jeremias 18: 1-10)

Os versículos de 7 a 10 indicam que este modo divino de agir não se restringe a Israel, mas a todas as nações. Este é o modo como o Eterno Deus vem atuando através da roda do tempo, a qual é similar à roda do oleiro, dando forma ao caos primacial. O objetivo do oleiro é formar um vaso. Para isto, precisa amassar a argila para que ela adquira a consistência ideal. A argila parece impor resistência, e o processo é penoso.
A história é um fluxo no qual o propósito eterno de Deus está sendo concretizado. Ela é como a argila do oleiro que, gradativamente, vai tomando a forma desejada pelo seu Supremo Artífice. É um processo poético, no sentido em que este programa criativo de Deus e, mais especificamente, o resultado final dele (que ainda não é visível, pois o trabalho está inacabado), é uma obra de arte que Deus vem compondo através dos séculos: Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas. (Efésios 2: 10.)
No caso da olaria, a argila desmancha, e o oleiro recomeça a sua obra na sua roda (referência à mesa giratória que os oleiros usam para operar no barro, a qual comparamos à roda do tempo). Sabemos, por exemplo, que o crescimento das plantas se dá numa certa ordem cronológica, isto é, onde há um antes e um depois, qual seja, basicamente (a inexatidão é didática, por não se tratar de um ensaio de botânica), numa seqüência de quatro etapas: raiz, ramo, flor e fruto.
Todavia, se pudéssemos ler o registro genético desta planta, contemplá-la-íamos, mentalmente, toda pronta, porque o programa do genoma é informação, é idéia, e as idéias são atemporais. É neste sentido que a informação está fora do tempo. Ela pertence ao domínio da alma.
O tempo não existe na esfera espiritual, e a idéia é do domínio do espírito. Para entendermos melhor isto, convém primeiro explicar por que o espaço também não existe nesta esfera. Temos que entender que o espaço só pode ser pensado por causa do vazio, e o vazio, por sua vez, por causa da multiplicidade. Por exemplo, dizemos que há um vazio separando dois corpos. Se não houver esse vazio separando os dois, não há dois, mas um só corpo (o que será explicado mais adiante).
Assinalemos três distinções fundamentais que distinguem a esfera espiritual da material. Primeiramente, na esfera espiritual (ao contrário de que ocorre na material), o espaço e o tempo não existem, como já dissemos; segundamente, os objetos dela são entendidos mentalmente (enquanto que os objetos materiais são percebidos pelos cinco sentidos); terceiramente, no domínio espiritual, o ser é uno (diferentemente da esfera material, onde o ser é múltiplo).
Assim, no domínio espiritual, vale dizer, do absoluto, a verdade e o bem são uma coisa só. Em análise, verdade e bem são coisas diferentes, mas, em síntese, são uma só coisa, pois, no absoluto, o ser é uno. De modo similar, fogo e luz são coisas diferentes, em análise; mas, em síntese, podem ser considerados o mesmo ente: a luz é um tipo de fogo.
O espaço, com efeito, só existe em virtude do vazio (o qual está na base da multiplicidade dos seres), como dissemos. Por quê? Se temos dois corpos, A e B, dizemos que eles são distintos (isto é, que há uma multiplicidade de seres) porque existe um vazio, isto é, um ESPAÇO, separando-os. Este espaço, esta separação, é um vazio de A em relação a B, e vice e versa. Por conseguinte, onde o ser é uno, porque não há múltiplo, também não pode haver o espaço.
Se não houvesse este vazio de A em relação a B, e vice e versa, A e B seriam o mesmo ser, portanto, já não existiria uma multiplicidade. Claro que vazio é um conceito relativo, isto é, o vazio é sempre vazio de alguma coisa. O vazio absoluto parece imponderável.
Mas, alguém poderia indagar: considerar o espaço apenas como separação não seria uma maneira simplista de defini-lo? A isto, respondemos que todas as categorias de espaço pressupõem o vazio: encima, embaixo, atrás, ao lado, na frente, e assim por diante.
Um objeto só está ao lado do outro porque existe um espaço (logo, um vazio) separando-os. Todavia, não faz sentido se dizer que a “coragem”, por exemplo, está encima ou embaixo, na frente ou atrás, pois trata-se de uma virtude espiritual. Por aí se pode antever como no absoluto não existe o espaço e, portanto, nem o vazia, nem a multiplicidade e nem a separação. A ausência de vazio é o que define o pleno, pois “pleno” é exatamente o antônimo de vazio.
Na esfera espiritual, o distanciamento e a proximidade são definidos em termos de semelhança e dessemelhança, afinidade e não afinidade, simpatia e antipatia, amor e ódio. Alguém está próximo de Deus se é semelhante a ele, pois o semelhante atrai o semelhante.
Duas pessoas que cultivam a coragem, embora não se conheçam de corpo, não estão separadas, pois no absoluto não há espaço. Elas estão separados de corpo, mas, não de alma. A separação em termos espaciais somente existe no mundo sensível.
A ciência informa-nos, acerca do espectro eletromagnético, que todas as manifestações de energia são ondas que viajam à velocidade da luz. O que difere uma forma de energia de outra, são seus comprimentos de onda e freqüência ondulatória.
Algumas formas de energia que não pertencem ao espectro da luz visível (isto é, não pertencem à esfera sensível e, talvez, quase não sejam materiais), como as ondas curtas, por exemplo, apresentam o comportamento do absoluto.
Se eu sintonizo um rádio receptor qualquer na BBC de Londres, que (se não me engano) transmite em ondas curtas, posso escutar a programação deste emissora como se não houvesse espaço e, portanto, vazio, separando meu rádio receptor da estação transmissora, mesmo que um esteja no Brasil, e outra, em Londres. Parece também que as ondas curtas não estão encima, ou embaixo, ou ao lado, e assim por diante.
Acontece que o pensamento também pode ser uma forma de energia, segundo o que assinalam os estudiosos de ciências metapsíquicas, que é um campo muito sério, mas bastante controverso. Isto ainda terá que ser confirmado por investigações ulteriores.
O homem é um com todos os mundo, na medida em que o pensamento é a vibração básica do universo, tendo tudo sido emanado da Mente Universal: o Eterno. Tudo, portanto, é pensamento, e o vazio não existe.
Céu e inferno são realidades que transcendem tempo e o espaço. Dependendo de onde esteja o amor, o entendimento e a vontade da pessoa (se no bem ou se no mal), ela já pode estar no céu, como inferno, independentemente de estar viva ou morta. Que é o inferno senão a desordem e o céu senão a bem-aventurança? Quando o Senhor disse que o Reino de Deus está dentro de nós, fê-lo no mesmo sentido em que se diz que a coragem está dentro de nós. A palavra “dentro”, neste caso, não denota espaço.
Com relação ao tempo, sabe-se, pelo que já disseram muitos filósofos, que o tempo só existe em função do movimento. O movimento, por sua vez, pode ser pensado de duas maneiras. Primeiramente, como, por exemplo, na duração do movimento de um corpo A para um B, isto é, no tempo que se gasta para se percorrer uma distância entre dois corpos. Por aí já vemos que este movimento depende de que haja um espaço separando-os; depende, portanto, de que haja o vazio e a multiplicidade. Este é o movimento mecânico.
A segunda forma de movimento é o vegetativo. Aristóteles já definia este tipo de movimento como a passagem da potência para o ato. Todos os seres sujeitos à geração e à corrupção possuem virtude vegetativa.
Todavia, não há este tipo de movimento no domínio do ser, pois o ser não tem nem princípio e nem fim: ele é eterno, é puro ato. A informação é puro ato porque ela NÃO É GERADA. O movimento do devir é o de plenificar-se. Mas onde tudo já é pleno e perfeito, justamante por ser eterno (por não ter nem princípio, nem fim), não pode haver qualquer carência de plenitude; portanto, não pode vegetar.
No que toca à alma (psykhé), Aristóteles a entenderá como “a enteléquia de um corpo orgânico”. (Cf. Aristóteles. De anima, II 1,412 a 27.) A enteléquia (do grego, entelécheia), segundo este filósofo, seria o ato perfeito ou final, a plena realização (atualização) da potência (dynamis) de ser. (Cf. Aristóteles. Metafísica, IX 8.)
O tempo profético é o tempo do Verbo divino, o qual é eterno e, portanto, está fora do tempo. Na verdade, o tempo profético não é tempo. Eis o que diz o Filho do homem de si: Eu sou o alfa e o ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-poderoso. (Apocalipse 1: 8.)
Há vários exemplos no livro da natureza que podem ilustrar bem o que dissemos. O salmão, por exemplo, nasce em água doce, mas, quando chega o outono europeu, ele segue para o mar e percorre uma extensão de até 6.000 Km. Após cinco anos, ele retorna pelo mesmo caminho até o rio ou lago onde nasceu, a fim de acasalar-se, desovar, cuidar dos filhotes e morrer pouco tempo depois.
Quem “ensinou” o salmão a comportar-se desta maneira? Estariam em seu DNA registrados de modo preciso todos os roteiros, comportamentos e itinerários geográficos extremamente complexos a serem percorridos, como uma espécie de programa, tal como os mais sofisticados programas utilizados pelo homem na era espacial? A natureza e o modo como atua esta programação (este verbo criador) constituem-se num dos maiores mistérios da ciência.
A informação genética não é gerada, nem é criada. A sua manifestação na matéria se dá numa seqüência cronológica, mas o programa contido no genoma, isto é, a idéia (quer dizer, a forma), é atemporal: pertence ao domínio do ser, da alma. Embora alguns argumentem que ela (a informação genética) foi criada, sim, pela união de duas células ao acaso, todavia, a possibilidade desta combinação existe eternamente, no mundo inteligível. A informação é espiritual. Não faz sentido se dizer que há uma informação encima ou embaixo, ou que ela está ali do lado.
Voltemos ao exemplo do crescimento das plantas. Vimos que há quatro fases na seqüência cronológica do desenvolvimento dos vegetais: a fase raiz, a fase ramo, a fase flor e a fase fruto. Todavia, raiz, ramo, flor e fruto, são também partes da anatomia do vegetal, por conseguinte, de sua forma. A esta coincidência entre as idades e fases do ciclo temporal da vida de um ser, e sua forma mesma, dá-se o nome de assinatura. A diversidade de assinaturas acompanha a diversidade de formas e seres.
As profecias estão no contexto do Verbo divino, pois são a expressão da palavra criadora de Deus que, à semelhança de uma circunferência, apresentam-se como uma só coisa, uma homogeneidade. A circunferência não tem nem princípio, nem fim e nem multiplicidade. Por isso, ela é o emblema da eternidade. É nesse ponto de nossa exposição que a teleologia assume a lugar da cronologia.
O Gênesis enlaça o Apocalipse; a cosmologia funde-se com a escatologia bíblica. O processo de criação do mundo é, ao mesmo tempo, o de sua redenção. A queda do homem, o pecado de Caim, o da geração do dilúvio, o da torre de Babel, assim como a destruição do templo e o exílio de Israel, são momentos em que a argila desmanchou-se nas mãos do oleiro, quebrando-se a obra que estava-se formando.
No entanto, a fé e a justiça de Sete (cuja descendência começou a invocar o Nome do Eterno sobre a terra), de Noé, de Abraão, de Ló, de Moisés, de Jó, e a de todos os justos de todas as gerações, bem como a entrega dos Mandamentos de Deus no monte Sinai, a construção do templo e, sobretudo, a obra redentora do Senhor (sua pregação, morte, ressurreição e glorificação), e a conseqüente concretização da promessa do derramamento do Espírito Santo, são, todas estas, etapas em que a argila avançou no seu processo de tomar a forma que seu supremo artífice quer lhe comunicar.
Segundo os sábios de Israel, a história humana pode ser dividida em quatro estágios, sendo ela semelhante ao desenvolvimento de um indivíduo separado. Tudo se passa como se o que ocorresse em escala ontogenética, tivesse sua correspondência em dimensão filogenética; como se a humanidade toda fosse um ser individual, enquadrando-se no esquema do princípio vital, vale dizer, no de nascimento, crescimento, maturação e morte.
Com efeito, de acordo com a tradição judaica, na vida do homem existem quatro estágios, à semelhança das quatro estações do ano. A primeira fase é a infância, a qual relaciona-se com a primavera; a segunda a juventude, associada ao verão; a terceira é identificada com o período seguinte à juventude (entre os 50 e os 70 anos), correspondente ao inverno; o último estágio (depois dos 70) é comparado ao outono. Neste último, o ser humano pode espalhar toda a sua experiência de vida como as árvores espalham suas folhas no chão durante o outono.
Similarmente, a história humana, como já foi dito, também pode ser dividida em quatro estágios, ainda segundo a tradição judaica. No primeiro, prevaleciam a ignorância e o obscurantismo em relação ao conhecimento de Deus. Este período ficou conhecido como “os dois mil anos de desolação”.
O segundo (um pouco melhor) é aquele no qual a Torah está disponível para todos: passamos a ter conhecimento da existência e da perfeição de Deus. Todavia, o que o homem pode alcançar por meio de seu intelecto não pode ser comparado com o que pode ser obtido com a inspiração do Espírito Santo, sendo que isto não representa um desprezo pela capacidade intelectiva; pelo contrário: se pode ir mais longe com ela quando a mente humana está em sintonia com a mente divina.
O terceiro estágio é ainda melhor que o anterior. É o que vigorava quando o Templo Sagrado estava de pé. Neste tempo, houve muitas maravilhas e milagres, e havia também profetas no mundo (sendo que a profecia foi concedida a apenas alguns indivíduos).
O quarto estágio é o melhor de todos. Dele testemunham os profetas acerca do fim (Dt 30:6; Is 10: 9; 35: 5; 40: 5; Jr 31: 30-33; 32:39; 40; Ez 11:19; 36: 25-29; Jl 3: 1-2, etc.). É o tempo no qual o Espírito Santo seria derramado sobre toda a humanidade: E há de ser que depois, derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, vossos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos terão sonhos, e vossos mancebos terão visões. (Joel 2: 28) Este quarto estágio corresponde ao tempo em que a humanidade alcançaria a sua plena maturidade. É conhecido como Era Messiânica.
Ora, nós sabemos que a promessa do derramamento do Espírito já começou a efetivar-se, tal como lemos em Atos: E cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente veio do céu um som, como o de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. Todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a orar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. (Atos 2: 1-4.)
A profecia de Joel cumpriu-se no passado, mas continua cumprindo-se hoje cada vez que pessoas se reúnem para buscar a Deus de todo o coração; cada renovação espiritual que acontece por um derramar do Espírito de Deus, é um cumprimento da profecia..

O PERGAMINHO DA ALMA

Uma das vigas mestras deste trabalho é a noção de gnose, a qual esforçamo-nos em resgatar, face ao estado de devastação em que se encontra a religião por conta da ignorância e do fanatismo. Consta, no Novo Testamento, o seguinte trecho: Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro pelo mesmo Espírito a palavra da ciência... (1 Coríntios 12: 8)
A palavra no original grego traduzida nesta passagem por ciência é gnósis. Mais adiante, também lemos: E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. (1 Coríntios 13: 2) A palavra gnósis aparece aí mais uma vez onde ela é traduzida por ciência. Note que, na tradição apostólica, por gnose se entendia a revelação de mistérios por meio de uma luz interior, espiritual.
Para comunicarmos nossa leitura do conceito cristão de gnose, pareceu-nos necessário introduzir ainda um outro, a saber, o de razão seminal. Este conceito foi utilizado pelos estóicos (que o receberam, por sua vez, de Plotino), reapropriado pelos cristãos por Justino e desenvolvido por Santo Agostinho. Posteriormente, vários outros autores cristãos, como São Boaventura, utilizaram-no.
As razões seminais seriam princípios diferenciadores das espécies dos seres futuros em estado de germe contidos na matéria informe do primeiro momento da criação. Todavia, quando dizemos que o Verbo ilumina todo o homem, fazemo-lo querendo dizer que o conhecimento está na alma na forma de uma razão seminal, isto é, de uma energia latente.
Segundo os sábios e filósofos do oriente, o conhecimento estaria na mente como o fogo em uma pedra. É a fricção que o faz brotar. De modo similar, com relação aos nossos sentimentos e ações (os sorrisos e lágrimas, alegrias e tristezas, elogios e censuras), cada um deles surgiria do nosso interior por um impulso desperto por golpes, isto é, estímulos internos e externos.
A resultante de todo este somatório de golpes (chamado ação, por estes filósofos) é aquilo que somos. Estes impulsos provocados na alma, acenderiam nela a sua chispa, o que resulta em poder e conhecimento.
Com efeito, a verdade estaria latente em nossa alma como um botão de rosa fechado, o qual vai se abrindo à medida que vai sendo fortalecido pela luz e pelo calor do sol. Quereis que uma roseira floresça no inverno? Colocai-a em uma estufa e vereis como suas rosas crescem e desabrocham como que num milagre da natureza.
Há rosas podem se abrir em até 72 pétalas, porém, de forma gradativa: quando as primeiras pétalas se abrem, muitas ainda estão fechadas no interior do botão. O desabrochar de uma rosa é o emblema da transição da mente em potência, isto é, a razão seminal, para a mente em ato, vale dizer, a consciência desperta; mas esta transição é gradativa como o desabrochar de um rosa. Os budistas chamam a esta transição bodhi (iluminação); nós, cristãos, gnose.
Com efeito, da mesma forma que um botão de rosa desabrocha ao tocarem nele os raios da luz solar, nossa alma floresce ao ser iluminada pelo sol da verdade. A mentira é somente trevas, nada pode operar senão morte.
Falamos, em nossa introdução, de dois livros: o livro da natureza (a revelação natural) e o livro da Escritura (a revelação escrita). Gostaríamos de introduzir um terceiro livro, a saber, o livro da alma, isto é, a revelação interna. O livro da alma é razão seminal quando está fechado, mas é gnose quando é aberto. A verdade está toda ela dentro de nós como um rolo de livro (semelhante aos dos tempos dos profetas de Israel) fechado e selado com sete selos. A abertura de um livro fechado, na tipologia bíblica, quer dizer “revelação de mistérios”.
O caminho da gnose não é diverso ou contrário ao da razão. Se entendermos a razão como um dom divino que se mostra no poder de achar a verdade, todo exercício da razão o é, também, da gnose. A verdade, quando proclamada verbalmente, pode ser identificada de forma imediata pela razão (que é espiritual e interna), sem raciocínio, porque reconhecemos aquela dentro de nós. Não queremos dizer com isto que se deve excluir o raciocínio, mas apenas que este não deve ser confundido com a razão.
Muitos confundem a razão com a inteligência, isto é, a faculdade de discorrer e raciocinar. A inteligência é uma auxiliar da razão, e esta, por sua vez, é um regulador que faculta à primeira o conhecimento dos elementos constitutivos da verdade.
A revelação interna manifesta-se, em parte, nas aspirações e arquétipos mais íntimos, autênticos e originários escritos no pergaminho da alma. Por aí se vê que nosso conceito de razão difere em muito do do racionalismo materialista, o qual a concebe como um método pautado no cálculo e na lógica, vale dizer, como o cadáver da inteligência.
Emanuel Swedenborg dirá que a racionalidade é a faculdade de compreender, a qual vem da luz espiritual e está no homem pelo Senhor só. Segundo ele, por esta faculdade pode o homem ser elevado a uma sabedoria quase angélica.
Para que fique bem clara a diferença entre razão e inteligência, ilustraremo-la com um exemplo. Quando um cientista projeta uma arma de destruição em massa, ele está utilizando sua inteligência de maneira contrária à razão. A razão, portanto, é um discernimento profundo das coisas, ao passo que a inteligência é puramente operativa, instrumental.
A revelação interna, com efeito, é também o espírito humano testificando da verdade. O fruto da verdade e seu efeito no espírito são inconfundíveis. Não é um arrepio subjetivo, e os que assim pensam, nada entenderam. Estamos falando de um fogo que arde de amor no coração. A mentira jamais pode penetrar na divisão entre alma e espírito. Só a verdade o faz, curando o homem da doença da ignorância, libertando-o, consolando-o, edificando-o (é pelo fruto que se conhece a árvore, como ensinou Jesus).
Por que ao se contemplar a natureza pode-se alcançar uma gnose? Porque a compreensão do livro da natureza é um estímulo que provoca a chispa e abre os selos do livro da alma. Por que pela meditação nas palavras dos sábios, também alcançamos a Gnose? Porque quando se entende com o coração os enigmas dos sábios, também desta forma o livro da alma é aberto.
Uma árvore má não pode dar bons frutos, assim como uma árvore boa não pode dar bons frutos. A árvore da verdade só pode dar frutos de consolo, paz, alegria. Quando sentimos a libertação e a cura irromper em nós por algum conhecimento, tais frutos são a alma e a vida mesmas testemunhando de que este conhecimento está de acordo com seus livros. O fruto da verdade é o despertamento da chispa da alma, a qual é o fogo da vida e um elixir de vitalidade para os ossos, juntas e medulas. Se a verdade coincide com o bom fruto, é porque ela também coincide com o bem supremo.
O erro e o engano não podem gerar bom fruto, assim como a escuridão não faz uma roseira florescer. Assim como a videira só pode dar uvas, e a figueira, figos (pois a árvore dá fruto segundo a sua espécie), o engano só gera tristeza, tédio, desespero, desordem mental e obscurantismo. Quem diz que não há diferença entre a verdade e o erro, está na escuridão. Pode alguém confundir a noite com a dia, ou a destra com a canhestra?
Este despertar da consciência, que se dá como o desabrochar de uma rosa é, com efeito, uma evolução no sentido de uma atualização, de uma passagem da potência (dynamis) para o ato (energeia). Só a verdade faz o homem renascer pela renovação do espírito de seu entendimento. A palavra da verdade é um espírito que vivifica e uma água que lava, fazendo nascer um novo ser.
A Potência (dynamis), num primeiro momento (de acordo com o que ensinam os filósofos), enquanto capacidade de uma coisa produzir uma mudança em outra, pode ser ativa ou passiva. A passiva é aquela que se manifesta no paciente de uma ação, enquanto uma disposição para acolher o efeito; a ativa, por outro lado, é a que se encontra no agente desta ação, enquanto uma capacidade para produzi-la (assim como seu efeito) antes mesmo que aconteça.
O conceito de potência, todavia, pode ser melhor entendido como a potencialidade que tem uma única coisa de passar de um estado para outro. Com efeito, A tornou-se B porque já era B em potencial. O Ato (energeia) seria a consubstanciação desta potencialidade
Muitas das vezes, é o sofrimento que desperta a chispa da alma, convertendo a compaixão em potência, em manifestação atual. E isto tanto é válido para um indivíduo quanto para a humanidade como um todo, a qual pode ser tomada como um único homem, desde seus primórdios até os nossos dias. Este é o espinhoso caminho da evolução pela dor.
A morte existe no mundo para compelir o homem a buscar o segredo da imortalidade. O sofrimento é o que, em muitos casos, estimula o homem a pesquisar e indagar o universo. Por ignorância e por fraqueza, o homem, em seu atual estado, é empurrado ao sabor das fatalidades cegas da natureza, tornando-se presa fácil da morte, da doença e do envelhecimento. A natureza mesma de nada tem culpa, cumprindo apenas as ordens de suas leis inerentes. Enquanto estas leis não forem devidamente conhecidas, estaremos sempre nos ferindo nelas. Esperamos que esta evolução da consciência continue, até que o homem um dia assuma sua posição constitucional de sacerdote da natureza e padre da luz que aperfeiçoa todas as coisas. A pedra filosofal será um fato para toda a humanidade quando ela estiver suficientemente madura para isto.

O Poder da Palavra

Muitos acreditam, juntamente com o senso comum, que a verdade não tem qualquer efeito sobre o ser humano. Que ela é um enunciado como outro qualquer, e que é verdadeiro simplesmente porque corresponde aos fatos. Mas, qual é o poder que pode ter a verdade, sendo ela apenas um som que se pronuncia, uma sentença que se escreve, se é verdadeiro o que pensa a opinião geral do homem de hoje?
No decorrer da História da filosofia, muitos foram os conceitos e as definições de verdade emitidos pelos filósofos. Na filosofia grega antiga, a verdade estava relacionada com a condição de um discurso, de estar em coerência e correspondência com a realidade. Estava, portanto, intimamente associada à noção de Logos, a palavra que revela o ser. É o que podemos conferir no realismo filosófico de Aristóteles.
Já na modernidade, com Descartes, a verdade passa a residir na coerência interna presente em um discurso. O grau de verdade de um sistema filosófico seria proporcional ao grau de clareza e distinção de suas idéias. Contemporaneamente, todas estas definições tendem a caírem em desuso, sendo substituídas por uma noção pragmática: verdade é tudo aquilo que é aceito como tal pela maioria.
Todavia, os Escritos lançam uma luz toda especial sobre esta questão crucial e tão pouco compreendida pelo homem contemporâneo, sensual, materialista e agnóstico. Desta questão depende em parte a compreensão do poder da Palavra Divina. Há um equívoco em pensarmos que é a realidade que instaura palavra, pois é justamente o contrário, é a palavra que instaura a realidade objetiva. Pensemos em algum artista: ele primeiro concebe mentalmente sua obra de arte, para depois executá-la fisicamente, tornando-a concreta. Conceber mentalmente significa conceber espiritualmente. Os escritos nos ensinam que a mente humana nada mais é que uma forma da Divina Verdade e do Divino Vero. Ora, as palavras são os receptáculos dos pensamentos que procedem do entendimento, portanto, da mente, em última instância.
São as palavras que instauram a realidade objetiva, isto é, o mundo natural, porque é o espírito que forma a matéria. A realidade é toda ela mental porque o plano mental, que corresponde à esfera espiritual, é o mundo das causas, e o mundo da realidade objetiva, isto é, a esfera natural, é o mundo dos efeitos. As idéias são as causas, os entes naturais são os efeitos, tal como podemos também observar no ofício do arquiteto (a semelhança do que já falamos acima sobre o artista em sua concepção artística), o qual primeiro traça a planta de um edifício mentalmente, colocando-a em seguida em um papel, o qual servirá de modelo para o edifício concreto que será construído.
A mente humana, com efeito, é uma forma da Divina Verdade e do Divino Bem, tal como já declaramos, em consonância com o que dizem os Escritos. Há, a princípio, duas coisas fundamentais sobre isto, a saber, que todo Universo é procedente do Divino Vero, e também o homem é procedente deste Divino Vero. A Palavra é entendida como este Divino Vero. O homem é criado do Divino Vero e, portanto, da Palavra, porque todas as coisas do homem se referem ao Entendimento e à Vontade, sendo o Entendimento o receptáculo da Divina Verdade, e a Vontade, o receptáculo do Divino Bem. Por conseguinte, a mente humana (que consiste nestes dois princípios, Entendimento e Vontade) é a forma espiritualmente e naturalmente organizada do Divino Vero e do Divino Bem.
Todo o Universo procede da Palavra tal como um edifício é construído a partir de um projeto, o qual foi concebido pela mente de um arquiteto. Por aí se pode ter um vislumbre de quão grande é o poder da Palavra: o de criar, conservar e corrigir mundos, universos. O homem, por sua vez, depende todo ele de sua mente, e todas as coisas de seu corpo, são apêndices postos em ação e vivem pela Vontade e pelo Entendimento, os quais constituem sua mente. Se entendermos a Palavra como a síntese da Mente Divina, e como o programa mesmo da criação, a adequação da mente humana à Mente Divina pela Palavra faculta-lhe o poder de ser um co-agente e um colaborador no programa divino, pois todas as coisas são criadas e conservadas pelo Divino Vero, pelo qual a palavra é entendida, e a subsistência é uma perpétua existência, assim como a conservação é uma perpétua criação.
Sabemos pela moderna psicologia cognitiva que quando nosso repertório de conhecimento não é solidário com a realidade, sendo marcado pela ignorância, a confusão e a superstição, então se tornará disfuncional, isto é, induzirá o homem a, patologicamente, atuar no mundo de modo contrário às leis da natureza.
Este é o fundamento de toda a psicologia, assim como da concepção psicossomática, a saber, que, primeiramente, palavras causam doenças; segundamente, que palavras curam doenças.
O que queremos dizer é que não há distinção entre a Lei Moral e a Lei Natural, o que equivale a dizer que não há conflito real entre o Livro da Escritura e o Livro da Natureza, sendo ambos uma só coisa, um elucidando o outro. A alma e o corpo; o psíquico e o somático: tudo é interligado. É impossível a compreensão de um sem a do outro.
O conhecimento da Verdade é o que libertará o homem do cativeiro do medo e da infelicidade, facultando-lhe a elevação espiritual. Este agir solidário às leis da natureza é um agir em consonância com o Verbo Divino.
Há muitos religiosos devotos e sinceros que, na leitura da Palavra, sentem uma virtude vivificante se difundindo pela sua alma e pelo seu corpo, como se alguém tivesse misteriosamente injetado em seu sangue um elixir da juventude. O conhecimento da verdade é capaz de infundir esta virtude. A verdade é a seiva da árvore da vida.
A verdade restaura na mente o seu estado natural e faz a alma renascer através da destruição da ignorância e da ilusão. O estado natural da mente é o de refletir o ser, como um espelho límpido reflete a imagem das coisas corpóreas; é a quietude, a clareza, a inocência, a ausência de dualismos e a pureza do cristal.
Só quando a alma se transforma, na busca infindável da pureza dos ideais, poderá ela encontrar a beleza. Neste processo, a alma vai cristalizando-se e divinizando-se na transmutação dos sentidos, procedendo de modo similar ao lírio, o qual retira da água lodosa do pântano somente a boa seiva, a qual o nutre e o faz produzir a brancura de suas pétalas. Eis o que podemos achar em antigos ensinamentos.
A Bíblia insiste na necessidade que tem o homem de se regenerar: ... no sentido em que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupscências do engano, e vos renoveis no espírito de vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade. (Efésios 4: 22-24) Observe que o texto atribui esta transformação à “renovação do entendimento”. No Entendimento reside o domínio cognitivo, intelectual; renovação do Entendimento sugere avanço no conhecimento da verdade. Isto se deve a que o homem natural é reformado primeiro no Entendimento.
A palavra no texto original em grego que foi traduzida por “transformai-vos” é metamorfousthe, presente imperativo passivo de metamorfoo, de onde vem “metamorfose”. A idéia é bem esta mesmo: devemos nos despojar do velho homem, como o inseto de seu casulo, durante a metamorfose, regenerando-se nesta transformação e, ao mesmo tempo, galgando um patamar mais elevado de existência.
Regenerar quer dizer “gerar outra vez”. A regeneração, num sentido mais amplo, ocorre a todo momento na natureza. As células de nosso corpo, por exemplo, estão sendo renovadas a todo instante: umas morrem e outras nascem em seu lugar, e é como se aquelas fossem geradas de novo nestas. Os nossos tecidos são regularmente gerados outra vez.
Quando sofremos um corte na pele, as células da parte lesada são, de novo, geradas, e a ferida é fechada. Isto talvez seja mais visível em alguns insetos e nas serpentes, as quais, periodicamente, trocam suas peles velhas por novas.
A renovação do Entendimento é também similar à renovação das águas dos mares pelos seus deltas. A função do delta de um rio que prograda em um corpo de água receptor (que pode ser um mar ou um lago) é a de renovar as suas águas por meio de uma alimentação perene. Um corpo de água receptor precisa ter uma alimentação constante das águas dos rios que progradam nele (para compensar a evaporação), pois, se assim não o fosse, estaria condenado a se tornar um tanque de água salgada como o Mar Morto, sem vida, sem peixes.
A água viva é a água corrente (hoje, sabemos que a movimentação gera oxigênio) e a que tem seres vivos (peixes). Os deltas, além de renovarem as águas alimentado-as com uma fonte de água. Para que a vida se perpetue, é necessário renovar suas águas, para que o mundo que existe ali não esteja fadado à morte por estagnação e apodrecimento.
No aquário de nossa alma há a necessidade da renovação perene. Daí a exigência de alimentação das águas do Entendimento pelo manancial da Verdade, para que se multipliquem os peixes da vida interior. Não é sem motivo que o peixe é um símbolo do Cristianismo.
A Água alude à Palavra de Deus. O Batismo, em todas as suas misteriosas dimensões, seria como que um desaguar de águas renovadoras no seio dos oceanos sedentos de nossas almas. A alegria que sentimos é como a dos peixes de um aquário quando suas águas são renovadas.
Quando progredimos no conhecimento da Verdade e da Realidade, nossos pensamentos e ações entram em harmonia com o propósito do universo e suas leis. Dessa forma, tornamo-nos naturalmente colaboradores do Eterno no projeto da criação, pois nosso modo de atuar no mundo será sempre solidário ao programa original e às finalidades desta Criação. É a isso que chamamos ser e agir em consonância com o Verbo de Deus. Este é o fundamento de toda a justiça.
Por aí se pode ver por que o Senhor veio ao mundo como a Palavra, a saber, a fim de redimi-lo. O Senhor pelo humano se revestiu de todo o poder, repelindo, subjugando e repondo sob sua obediência os infernos. Ele assim o fez pela Palavra Divina, que é o Divino Vero.
Todos concordam quando se diz que a Palavra é espiritual em sua essência, todavia, desconhece-se o que é este espiritual da Palavra. Isto se deve a que, até o presente, ignorou-se que há um sentido Espiritual (ou Interno) que está interiormente no sentido Natural (ou Externo), como a alma no homem, o pensamento na linguagem, e a afeição da vontade na ação. O que talvez choque a alguns é que, em muitas situações, não há nada no sentido Natural, que é o sentido da letra, que insinue o seu sentido Espiritual.
A opinião dominante no mundo cristão hoje é a de que a Escritura é um livro que se mostra de forma manifesta à mente do homem natural. Todos estranham que possa haver um significado oculto e misterioso escondido nas Sagradas Escrituras. A maioria se escandaliza com isso. Mais escandalizados ficam quando é afirmado que o sentido espiritual ou interno da palavra jamais se mostra à mente do homem natural se o Senhor não lhe revelar.
O argumento dos que assim se escandalizam é o de que Deus estaria cometendo uma maldade ao ocultar este ensinamento, sem contar que, segundo eles, o Cristianismo seria uma religião revelada, não uma religião de mistério. Outros argumentam que não há mais profetas hoje, e que tudo que Deus tinha pra falar ele já disse e está contido de maneira manifesta nas Escrituras, cabendo apenas interpretá-las textualmente.
Outros ainda apelam para a firmação de Paulo de que mesmo que um anjo descesse do céu e pregasse outro evangelho, ele teria que ser anátema, para rechaçar qualquer possibilidade de uma revelação de um sentido misterioso da Palavra; como não é perceptível aos sensuais este sentido oculto, então essa doutrina, na opinião deles, poderia desembocar em outro evangelho. Todavia, nós sabemos que os Livros Proféticos da Palavra, assim como os Evangelhos e o Apocalipse, contêm uma série parábolas e similitudes cujo significado permanece um mistério. Jesus mesmo pregava por Parábolas para ocultar as chaves do Reino dos Céus aos profanos, e as explicava em particular apenas aos seus discípulos.
O sentido espiritual da Palavra é o que comunica com os céus, porque é o que subjaz às correspondências com as quais a Palavra é escrita. É também neste sentido espiritual que reside a santidade da Palavra, bem como o seu poder. Todos aqueles que estão na fé de que a santidade da Palavra reside no seu sentido Celeste e no seu sentido Espiritual, tal como explicaremos adiante, vêem os Divinos Veros na Luz natural, quando lêem a Palavra na ilustração procedente do Senhor. A Luz do Céu na qual está o sentido interno da Palavra influi na Luz natural na qual está o sentido da letra da Palavra e ilumina o intelectual do homem, que é chamado Racional.
Do Senhor mesmo procedem, em seqüência, o Divino Celeste, o Divino Espiritual e o Divino Natural. O Divino Celeste é todo aquele que procede do Divino Amor, sendo todo ele o Divino Bem; o Divino Espiritual é o que procede da Divina Sabedoria, sendo toda ela o Divino Vero. O Divino Natural é o complexo no último, de onde procedem um e outro, sendo, portanto, o continente, isto é, o receptáculo destes conteúdos.
A chave para se adentrar ao sentido espiritual da Palavra é a Ciência das correspondências, que foi conhecida dos antigos, que eram espirituais, e na qual se move a inteligência dos anjos. É por esta Ciência que sabemos que quando a Bíblia fala de Jardim, Bosque e Floresta, refere-se espiritualmente à Sabedoria, à Inteligência e à Ciência; quando fala da Oliveira, da Cepa, do Cedro, do Choupo e do Carvalho, ao bem e ao vero da Igreja, em seus diferentes aspectos: o celeste, o espiritual, o racional, o natural e o sensual, e assim por diante. O sentido Espiritual da Palavra seria aberto no fim da Igreja, e por ele é entendido o Cavalo Branco que aparece em Apocalipse, e aquele que nele estava montado, cujo nome é a Palavra de Deus. A Deus toda a glória.