Muitos acreditam, juntamente com o senso comum, que a verdade não tem qualquer efeito sobre o ser humano. Que ela é um enunciado como outro qualquer, e que é verdadeiro simplesmente porque corresponde aos fatos. Mas, qual é o poder que pode ter a verdade, sendo ela apenas um som que se pronuncia, uma sentença que se escreve, se é verdadeiro o que pensa a opinião geral do homem de hoje?
No decorrer da História da filosofia, muitos foram os conceitos e as definições de verdade emitidos pelos filósofos. Na filosofia grega antiga, a verdade estava relacionada com a condição de um discurso, de estar em coerência e correspondência com a realidade. Estava, portanto, intimamente associada à noção de Logos, a palavra que revela o ser. É o que podemos conferir no realismo filosófico de Aristóteles.
Já na modernidade, com Descartes, a verdade passa a residir na coerência interna presente em um discurso. O grau de verdade de um sistema filosófico seria proporcional ao grau de clareza e distinção de suas idéias. Contemporaneamente, todas estas definições tendem a caírem em desuso, sendo substituídas por uma noção pragmática: verdade é tudo aquilo que é aceito como tal pela maioria.
Todavia, os Escritos lançam uma luz toda especial sobre esta questão crucial e tão pouco compreendida pelo homem contemporâneo, sensual, materialista e agnóstico. Desta questão depende em parte a compreensão do poder da Palavra Divina. Há um equívoco em pensarmos que é a realidade que instaura palavra, pois é justamente o contrário, é a palavra que instaura a realidade objetiva. Pensemos em algum artista: ele primeiro concebe mentalmente sua obra de arte, para depois executá-la fisicamente, tornando-a concreta. Conceber mentalmente significa conceber espiritualmente. Os escritos nos ensinam que a mente humana nada mais é que uma forma da Divina Verdade e do Divino Vero. Ora, as palavras são os receptáculos dos pensamentos que procedem do entendimento, portanto, da mente, em última instância.
São as palavras que instauram a realidade objetiva, isto é, o mundo natural, porque é o espírito que forma a matéria. A realidade é toda ela mental porque o plano mental, que corresponde à esfera espiritual, é o mundo das causas, e o mundo da realidade objetiva, isto é, a esfera natural, é o mundo dos efeitos. As idéias são as causas, os entes naturais são os efeitos, tal como podemos também observar no ofício do arquiteto (a semelhança do que já falamos acima sobre o artista em sua concepção artística), o qual primeiro traça a planta de um edifício mentalmente, colocando-a em seguida em um papel, o qual servirá de modelo para o edifício concreto que será construído.
A mente humana, com efeito, é uma forma da Divina Verdade e do Divino Bem, tal como já declaramos, em consonância com o que dizem os Escritos. Há, a princípio, duas coisas fundamentais sobre isto, a saber, que todo Universo é procedente do Divino Vero, e também o homem é procedente deste Divino Vero. A Palavra é entendida como este Divino Vero. O homem é criado do Divino Vero e, portanto, da Palavra, porque todas as coisas do homem se referem ao Entendimento e à Vontade, sendo o Entendimento o receptáculo da Divina Verdade, e a Vontade, o receptáculo do Divino Bem. Por conseguinte, a mente humana (que consiste nestes dois princípios, Entendimento e Vontade) é a forma espiritualmente e naturalmente organizada do Divino Vero e do Divino Bem.
Todo o Universo procede da Palavra tal como um edifício é construído a partir de um projeto, o qual foi concebido pela mente de um arquiteto. Por aí se pode ter um vislumbre de quão grande é o poder da Palavra: o de criar, conservar e corrigir mundos, universos. O homem, por sua vez, depende todo ele de sua mente, e todas as coisas de seu corpo, são apêndices postos em ação e vivem pela Vontade e pelo Entendimento, os quais constituem sua mente. Se entendermos a Palavra como a síntese da Mente Divina, e como o programa mesmo da criação, a adequação da mente humana à Mente Divina pela Palavra faculta-lhe o poder de ser um co-agente e um colaborador no programa divino, pois todas as coisas são criadas e conservadas pelo Divino Vero, pelo qual a palavra é entendida, e a subsistência é uma perpétua existência, assim como a conservação é uma perpétua criação.
Sabemos pela moderna psicologia cognitiva que quando nosso repertório de conhecimento não é solidário com a realidade, sendo marcado pela ignorância, a confusão e a superstição, então se tornará disfuncional, isto é, induzirá o homem a, patologicamente, atuar no mundo de modo contrário às leis da natureza.
Este é o fundamento de toda a psicologia, assim como da concepção psicossomática, a saber, que, primeiramente, palavras causam doenças; segundamente, que palavras curam doenças.
O que queremos dizer é que não há distinção entre a Lei Moral e a Lei Natural, o que equivale a dizer que não há conflito real entre o Livro da Escritura e o Livro da Natureza, sendo ambos uma só coisa, um elucidando o outro. A alma e o corpo; o psíquico e o somático: tudo é interligado. É impossível a compreensão de um sem a do outro.
O conhecimento da Verdade é o que libertará o homem do cativeiro do medo e da infelicidade, facultando-lhe a elevação espiritual. Este agir solidário às leis da natureza é um agir em consonância com o Verbo Divino.
Há muitos religiosos devotos e sinceros que, na leitura da Palavra, sentem uma virtude vivificante se difundindo pela sua alma e pelo seu corpo, como se alguém tivesse misteriosamente injetado em seu sangue um elixir da juventude. O conhecimento da verdade é capaz de infundir esta virtude. A verdade é a seiva da árvore da vida.
A verdade restaura na mente o seu estado natural e faz a alma renascer através da destruição da ignorância e da ilusão. O estado natural da mente é o de refletir o ser, como um espelho límpido reflete a imagem das coisas corpóreas; é a quietude, a clareza, a inocência, a ausência de dualismos e a pureza do cristal.
Só quando a alma se transforma, na busca infindável da pureza dos ideais, poderá ela encontrar a beleza. Neste processo, a alma vai cristalizando-se e divinizando-se na transmutação dos sentidos, procedendo de modo similar ao lírio, o qual retira da água lodosa do pântano somente a boa seiva, a qual o nutre e o faz produzir a brancura de suas pétalas. Eis o que podemos achar em antigos ensinamentos.
A Bíblia insiste na necessidade que tem o homem de se regenerar: ... no sentido em que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupscências do engano, e vos renoveis no espírito de vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade. (Efésios 4: 22-24) Observe que o texto atribui esta transformação à “renovação do entendimento”. No Entendimento reside o domínio cognitivo, intelectual; renovação do Entendimento sugere avanço no conhecimento da verdade. Isto se deve a que o homem natural é reformado primeiro no Entendimento.
A palavra no texto original em grego que foi traduzida por “transformai-vos” é metamorfousthe, presente imperativo passivo de metamorfoo, de onde vem “metamorfose”. A idéia é bem esta mesmo: devemos nos despojar do velho homem, como o inseto de seu casulo, durante a metamorfose, regenerando-se nesta transformação e, ao mesmo tempo, galgando um patamar mais elevado de existência.
Regenerar quer dizer “gerar outra vez”. A regeneração, num sentido mais amplo, ocorre a todo momento na natureza. As células de nosso corpo, por exemplo, estão sendo renovadas a todo instante: umas morrem e outras nascem em seu lugar, e é como se aquelas fossem geradas de novo nestas. Os nossos tecidos são regularmente gerados outra vez.
Quando sofremos um corte na pele, as células da parte lesada são, de novo, geradas, e a ferida é fechada. Isto talvez seja mais visível em alguns insetos e nas serpentes, as quais, periodicamente, trocam suas peles velhas por novas.
A renovação do Entendimento é também similar à renovação das águas dos mares pelos seus deltas. A função do delta de um rio que prograda em um corpo de água receptor (que pode ser um mar ou um lago) é a de renovar as suas águas por meio de uma alimentação perene. Um corpo de água receptor precisa ter uma alimentação constante das águas dos rios que progradam nele (para compensar a evaporação), pois, se assim não o fosse, estaria condenado a se tornar um tanque de água salgada como o Mar Morto, sem vida, sem peixes.
A água viva é a água corrente (hoje, sabemos que a movimentação gera oxigênio) e a que tem seres vivos (peixes). Os deltas, além de renovarem as águas alimentado-as com uma fonte de água. Para que a vida se perpetue, é necessário renovar suas águas, para que o mundo que existe ali não esteja fadado à morte por estagnação e apodrecimento.
No aquário de nossa alma há a necessidade da renovação perene. Daí a exigência de alimentação das águas do Entendimento pelo manancial da Verdade, para que se multipliquem os peixes da vida interior. Não é sem motivo que o peixe é um símbolo do Cristianismo.
A Água alude à Palavra de Deus. O Batismo, em todas as suas misteriosas dimensões, seria como que um desaguar de águas renovadoras no seio dos oceanos sedentos de nossas almas. A alegria que sentimos é como a dos peixes de um aquário quando suas águas são renovadas.
Quando progredimos no conhecimento da Verdade e da Realidade, nossos pensamentos e ações entram em harmonia com o propósito do universo e suas leis. Dessa forma, tornamo-nos naturalmente colaboradores do Eterno no projeto da criação, pois nosso modo de atuar no mundo será sempre solidário ao programa original e às finalidades desta Criação. É a isso que chamamos ser e agir em consonância com o Verbo de Deus. Este é o fundamento de toda a justiça.
Por aí se pode ver por que o Senhor veio ao mundo como a Palavra, a saber, a fim de redimi-lo. O Senhor pelo humano se revestiu de todo o poder, repelindo, subjugando e repondo sob sua obediência os infernos. Ele assim o fez pela Palavra Divina, que é o Divino Vero.
Todos concordam quando se diz que a Palavra é espiritual em sua essência, todavia, desconhece-se o que é este espiritual da Palavra. Isto se deve a que, até o presente, ignorou-se que há um sentido Espiritual (ou Interno) que está interiormente no sentido Natural (ou Externo), como a alma no homem, o pensamento na linguagem, e a afeição da vontade na ação. O que talvez choque a alguns é que, em muitas situações, não há nada no sentido Natural, que é o sentido da letra, que insinue o seu sentido Espiritual.
A opinião dominante no mundo cristão hoje é a de que a Escritura é um livro que se mostra de forma manifesta à mente do homem natural. Todos estranham que possa haver um significado oculto e misterioso escondido nas Sagradas Escrituras. A maioria se escandaliza com isso. Mais escandalizados ficam quando é afirmado que o sentido espiritual ou interno da palavra jamais se mostra à mente do homem natural se o Senhor não lhe revelar.
O argumento dos que assim se escandalizam é o de que Deus estaria cometendo uma maldade ao ocultar este ensinamento, sem contar que, segundo eles, o Cristianismo seria uma religião revelada, não uma religião de mistério. Outros argumentam que não há mais profetas hoje, e que tudo que Deus tinha pra falar ele já disse e está contido de maneira manifesta nas Escrituras, cabendo apenas interpretá-las textualmente.
Outros ainda apelam para a firmação de Paulo de que mesmo que um anjo descesse do céu e pregasse outro evangelho, ele teria que ser anátema, para rechaçar qualquer possibilidade de uma revelação de um sentido misterioso da Palavra; como não é perceptível aos sensuais este sentido oculto, então essa doutrina, na opinião deles, poderia desembocar em outro evangelho. Todavia, nós sabemos que os Livros Proféticos da Palavra, assim como os Evangelhos e o Apocalipse, contêm uma série parábolas e similitudes cujo significado permanece um mistério. Jesus mesmo pregava por Parábolas para ocultar as chaves do Reino dos Céus aos profanos, e as explicava em particular apenas aos seus discípulos.
O sentido espiritual da Palavra é o que comunica com os céus, porque é o que subjaz às correspondências com as quais a Palavra é escrita. É também neste sentido espiritual que reside a santidade da Palavra, bem como o seu poder. Todos aqueles que estão na fé de que a santidade da Palavra reside no seu sentido Celeste e no seu sentido Espiritual, tal como explicaremos adiante, vêem os Divinos Veros na Luz natural, quando lêem a Palavra na ilustração procedente do Senhor. A Luz do Céu na qual está o sentido interno da Palavra influi na Luz natural na qual está o sentido da letra da Palavra e ilumina o intelectual do homem, que é chamado Racional.
Do Senhor mesmo procedem, em seqüência, o Divino Celeste, o Divino Espiritual e o Divino Natural. O Divino Celeste é todo aquele que procede do Divino Amor, sendo todo ele o Divino Bem; o Divino Espiritual é o que procede da Divina Sabedoria, sendo toda ela o Divino Vero. O Divino Natural é o complexo no último, de onde procedem um e outro, sendo, portanto, o continente, isto é, o receptáculo destes conteúdos.
A chave para se adentrar ao sentido espiritual da Palavra é a Ciência das correspondências, que foi conhecida dos antigos, que eram espirituais, e na qual se move a inteligência dos anjos. É por esta Ciência que sabemos que quando a Bíblia fala de Jardim, Bosque e Floresta, refere-se espiritualmente à Sabedoria, à Inteligência e à Ciência; quando fala da Oliveira, da Cepa, do Cedro, do Choupo e do Carvalho, ao bem e ao vero da Igreja, em seus diferentes aspectos: o celeste, o espiritual, o racional, o natural e o sensual, e assim por diante. O sentido Espiritual da Palavra seria aberto no fim da Igreja, e por ele é entendido o Cavalo Branco que aparece em Apocalipse, e aquele que nele estava montado, cujo nome é a Palavra de Deus. A Deus toda a glória.
Tuesday, September 27, 2005
O Poder da Palavra
Postado por André Figueiredo às 6:24 AM
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