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Tuesday, September 27, 2005

A CONDIÇÃO TRÁGICA

O Batismo é uma representação do movimento universal de morte e renascimento, destruição e renovação, presente em todos os planos de manifestação da esfera sensível. É inerente a tudo que está sujeito à geração, procriação, corrupção e regeneração.
Este movimento de morte e regeneração pode ser observado, por exemplo, a nível celular (as células mortas estão a todo instante sendo substituídas por novas), assim como no circuito sazonal: no inverno, a terra se afasta do sol e as coisas se passam como se tudo morresse; na primavera, por seu turno, como se tudo fosse chamado de volta à vida pela aproximação do sol. Já no verão, a vida chega ao seu apogeu, e as árvores portam frutos. No outono, por fim, parece que tudo declina para morrer de novo no próximo inverno, e por aí vai, até que o mundo seja de novo destruído pelo Eterno, e sejam elevados pela glorificação de Deus aqueles que ocupam a terra. Toda o planeta cessará a sua obra, instalando-se em seu lugar uma natureza celeste e eterna.
É o calor do sol que traz de volta à vida todas as coisas na primavera, e é a isso, creio, que está relacionado um antigo axioma: Igne natura renovatur integra (A natureza é integralmente renovada pelo fogo).
Da mesma forma que uma árvore perde suas folhagens no outono, para reverdecerem na primavera e, assim, uma folhagem se vai a cada outono e outra vem a cada primavera, na história humana, uma geração se vai e outra vem, sendo isto a condição trágica do homem, a saber, a de não se completarem os seus dias sobre a terra: a condição mortal.
A condição trágica está muito bem traduzida nas palavras de Shalom Anski: “O homem nasce para uma vida longa e plena, e se ele morre antes de seu termo, que acontece com a vida não vivida? Para onde vão suas alegrias e dores. Os pensamentos que não teve tempo de contemplar, os atos que não cumpriu?” (O Dibuk, de Shalom Anski.)
A imortalidade é a mais nobre aspiração do ser humano. Entretanto, o que entendemos por imortalidade não diz respeito, apenas, à vida depois da morte, mas, também, à possibilidade de o homem completar os seus dias sobre a terra em boa velhice, numa existência produtiva e concluída numa boa velhice e numa morte tranqüila. Isto é imortalidade.
A imortalidade é também entendida em seu sentido espiritual, como ressurreição, isto é, a ditosa existência depois da morte em um corpo celestial e glorificado.
Há duas figuras da tradição cristã (uma delas já evocada em nosso capítulo sobre a gnose) bastante significativas sobre isto, quais sejam, as da rosa e da cruz. A rosa é, num primeiro momento, símbolo da vida, do amor e da ressurreição. Num sentido mais profundo, é a alma humana em evolução. Sempre é uma rosa vermelha parcialmente aberta, nunca um botão ou uma rosa plenamente aberta. A cor vermelha é figura da consciência espiritual ou divina.
A cruz alude às tribulações terrenas. Significa o corpo do homem com os braços estendidos, representando as aflições do corpo físico, as quais estão no papel de provas. São as misérias, as mazelas e os sofrimentos da existência terrena que se abatem sobre a entidade humana como terríveis provações. Todo este processo, no entanto, é um aprendizado, uma iniciação.
A representação na qual vemos a rosa colocada na cruz, por conseguinte, tipifica a alma do homem e a consciência espiritual e divina evoluindo por meio das provações e sofrimentos da vida terrena. É desta forma que o espírito humano é liberto. A alma se desprende e se liberta das limitações materiais representadas pela cruz. A rosa, com efeito, indicaria a parcela espiritual e divina do homem; ao passo que, a cruz, a animal e terrena.
A rosa e a cruz podem ainda ser contempladas por um outro ângulo: a rosa teria a tríplice conotação de amor, segredo e fragrância, e a cruz, por seu turno, comportaria também um tríplice significado de auto- sacrifício, imortalidade e santidade. Tomados estes dois emblemas em conjunto, sinalizariam o amor do auto-sacrifício, o segredo da imortalidade e a doce fragrância de uma vida santa.
A imortalidade em seu sentido físico, enquanto longevidade, só pode ser alcançada com o progresso da civilização, da cultura, da ciência e da verdadeira religião. A imortalidade em seu sentido espiritual, no sentido da imortalidade da alma, por seu turno, depende do patamar de nosso entendimento e vontade e de para onde dirigimos nosso amor: se para o bem (para a vida), ou para o mal (para a perdição).
A imortalidade é, também, imortalidade da inteligência coletiva. Há um movimento perpétuo de composição e decomposição das coisas no mundo físico, os quais podem resultar em fenômenos de vida, ou de morte. Se os elementos e agentes da natureza operam de maneira adequada, dá-se uma forma de vida; se sua operação é aumentada, debilitada ou suprimida, por outro lado, surge uma nova forma de vida pela supressão da anterior.
O final de todo este processo será o estado natural da Criação, a qual está sujeita, enquanto obra de Deus, a manifestações imutáveis que a aperfeiçoam de modo infindável no mundo orgânico. E quanto à inteligência, que ocorre com ela?
Também a inteligência, tanto individual, quanto coletiva, se perpetua, cresce, evolui e se aperfeiçoa. A presente geração utiliza as descobertas da anterior, colocando-as à prova e incrementando-as, a fim de que as gerações vindouras possam, em virtude da lei universal do progresso, frutificar ao seu tempo.
O verdadeiro sentido da metempsicose é o da imortalidade da vida e da idéia, em uma perfectibilidade indefinida. A humanidade é como um germe que se abre, saindo da noite dos tempos, da barbárie, da ignorância. Queremos dizer que, além da inteligência individual de cada um de nós, há também a comum solidária, resultante das inteligências individuais. Seria isto como se toda a humanidade, desde seus primórdio, até os dias de hoje (e a do amanhã, talvez), fosse um só homem, cuja inteligência, está em evolução, e cuja consciência, ainda está despertando, gradativamente, como o desabrochar de uma rosa.
O sofrimento da doença, da morte dolorosa e precoce, e da decrepitude, existem porque o homem tem desconhecido as leis da natureza e, portanto, tem se movido contra elas. O preço da ignorância tem sido muito caro para as diversas gerações.
A morte existe no mundo para compelir o homem a buscar o segredo da imortalidade. O sofrimento ocorre porque estamos quebrando as leis do universo; porque, por comodismo e cegueira, não estamos indagando acerca da finalidade da existência humana sobre a terra, e porque estamos buscando apenas o prazer e o gozo e negligenciando a inteligência, a indagação e a ciência.
Se um motorista não conhece o modo de freiar o veículo que está conduzindo, estará ao sabor da inércia, até se quebrar em algum muro. De modo similar, enquanto desconhecermos as leis da natureza, estaremos nos quebrando nelas. No entanto, elas só existem para colaborar com a vida.
Isto pode ser particularmente observado no exemplo dos Estados Unidos. Eles são o país mais castigado por tornados e furacões no mundo. Muita tragédia poderia ser evitada se se investisse em pesquisa sobre este fenômeno o mesmo tanto que se investe em tecnologia bélica. Quantos furacões e tornados serão ainda necessários para eles acordarem?
A morte era para ser apenas uma viagem, uma transição. A condição trágica, a dor e o sofrimento, são o livro da natureza, juntamente com o pergaminho de nossa alma, testemunhando contra nosso modo de proceder e pensar. Eles estão clamando: Há algo de errado.
O sofrimento é expiação. Mas, que é expiação? É um aumento de trabalho: por não ter feito o que devia ontem, devo fazê-lo dobrado hoje. Não estamos querendo dizer que sofrer é bom, pois isto seria masoquismo, mas que é preciso entender o porquê do sofrimento para escapar dele.
Nós estamos no mundo para aprender. O trabalho do homem é o de achar a verdade e comunicá-la ao mundo. Uns aprendem pelo amor, e outros, pela dor. Este é o sentido da via crucis, que nada mais é que uma figura da condição trágica.
O sentido, portanto, em que se diz que o sofrimento refina a natureza humana, tal como se lê nas Escrituras é o de que ele gera poder e conhecimento (há mesmo quem diga que o homem só pensa forçado). A condição trágica e os reveses da vida forçam-nos a procurar soluções verdadeiras para problemas reais.
Esta dinâmica obriga-nos a sair de nosso sono letárgico de ilusões (as quais não nos serão úteis em situações extremas) e sermos honestos conosco. Ela revela-nos o que realmente importa na vida, mostrando-nos que o apego às coisas materiais e o amor de si de nada valem.
Este despertar do sono letárgico do ilusão para passarmos a enxergar a realidade, é uma das facetas da gnose. Alguém, todavia, poderia indagar: por que Deus não criou o homem de uma forma que estivesse pronto e acabado em um pescar de olhos? Para Deus, todo este processo é um piscar de olhos; a limitação é nossa, seres finitos que somos. O Senhor, nos tempos eternos, colocou na balança o ínfimo tempo de sofrimento na terra e a eternidade de glória, e viu que valia a pena.
Com efeito, condição da humanidade hoje tem sido a de morrer prematuramente. Haveria necessidade de que uma geração morra para que uma nova nasça? Pelo visto, na atual configuração universal, podemos dizer (embora sem muita convicção) que sim, pois o homem tem sido tão egoísta que precisa ser detido pela morte, a fim de que novas gerações tenham o direito de serem trazidas à existência.
O que acontece com os anos perdidos de nossa existência? São oferecidos em holocausto a Deus no altar dos sacrifícios do templo do nosso coração. É, muitas das vezes, o sofrimento que nos livra da distração produzida pelos bens materiais e pela aparência enganosa deste mundo.
Só se pode operar esta transmutação numa nova natureza, vale dizer, numa nova geração, se a anterior for destruída. A isto se dá o nome, como vimos no primeiro capítulo, de regeneração. Não há ressurreição sem que haja morte, mas é possível que isto ocorra ainda em vida, pois nem todos passaremos pela morte.
Com efeito, a Via Crucis é uma figura da peregrinação miserável do homem pela terra dos viventes. É diante da tragédia que o homem toma consciência de seus limites. Mas a rosa também indica o potencial humano, suas virtudes, habilidades e talentos, os quais precisam ser libertos para que se desenvolvam; são tal qual nossa rosa, que precisa desabrochar. Não existe ser humano pronto, mas é preciso ter Deus no coração para se entender isto.
Toda vez que alguma faculdade latente é desperta prematuramente, produz-se um abortamento. O nosso modelo ímpio de civilização não tem paciência para aguardar o tempo das coisas porque a cobiça é irmã da pressa. Queremos que nosso próximo se emancipe logo, pois consideramo-lo um fardo. O desenvolvimento humano é lento; não é como o dos irracionais que, logo que nascem, já saem andando. Mas para entender isto é preciso ter amor no coração.
Quantos homens de talento tiveram que abandonar os seus estudos por falta de apoio, tornando-se presa fácil de um modelo social que, para somar com as terríveis misérias humanas do nascimento, do envelhecimento, da doença e da morte, ainda submete seres humanos criados à imagem de Deus à condição de terem que trabalhar como animais de carga, contra a sua vontade, em jornadas de trabalho desumanas, em troca de um pão que o diabo amassou. E isto não em trabalhos que beneficiem a sociedade como um todo, mas apenas que satisfazem o capricho e a cobiça bestial de uns poucos.
Condena-se o aborto, mas o que se entende por isto é apenas uma de suas modalidades: o assassinato de um feto. Muitas vidas, no entanto, são interrompidas, não pela morte física, mas, por tornarem-se como rosas que se secam antes de desabrocharem. Quantos talentos, quantas habilidades, quanto potencial é perdido, e quantos sonhos são interrompidos! Isto é um abortamento. Mas para se entender isto, é necessário se ter o coração majestoso como o do Ancião de dias.
As pessoas têm aprendido a serem mais humanas pela dor. É em meio às tragédias que, muitas das vezes, irrompe a solidariedade. As bestas não exercem misericórdia e solidariedade; elas possuem, sim, instinto gregário, mas isto é muito diferente. É na calamidade que brotam no coração humano a temperança, a castidade, a fidelidade, a abnegação, a eqüidade e a justiça, tal como uma rosa que floresce no jardim da alma. A propósito, o desabrochar de nossa rosa também significa o florescimento do amor no coração humano.
As bestas irracionais, com efeito, não podem exercer misericórdia, amor, compaixão, que são atributos de Deus: só um ser divino e racional o pode, e eis aí o perfil do homem-deus. Afinal, quanto vale um homem que nunca sofreu? O sofrimento seria, então, como a irritação de um corpo estranho no interior de uma ostra, que a faz produzir uma pérola. As pérolas da compaixão, da misericórdia e do amor, não têm preço.
Com relação ao amor, há três tipos de homens: o que age de conformidade com a verdade, a realidade, a razão e a justiça, é o homem moral; o que, pela justiça, sacrifica seus desejos e vontades, é o homem de honra, e o que incarna a bondade da providência, fazendo mais que seu dever e sacrificando seu próprio direito, é o herói. O significado do auto-sacrifício é este mesmo, a saber, o de espontâneo e benigno abandono do direito, numa espécie de loucura do amor.
O ser humano é para o Eterno Deus como que uma Rosa em Seu Jardim. É o desejo da Rosa ser regada pelo mais profundo córrego, que é a nascente de todos os rios espirituais. O homem é chamado também lírio dos vales por ser encontrado nos lugares mais profundos, onde há água em abundância.
Acerca da Rosa de Saron, eis o que lemos no Zohar (O Livro do Esplendor): No princípio, ela é uma rosa de pétalas amareladas e depois se converte em um lírio de duas cores, branco e vermelho, um lírio de seis pétalas, mudando de um matiz ao outro. É chamada “rosa” quando está prestes a encontrar-se com o Rei e, já que estão juntos, passa a ser chamada de lírio.
A rosa é, também, o triunfo da vida, cujo impulso se recusa a desistir, tal como podemos observar numa roseira brotando num rochedo maciço. O desejo do Eterno é o de que a humanidade floresça em toda a sua potencialidade.

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